Hoje falaremos sobre o discurso bolsonarista. Acho importante começar este texto com uma afirmação, claro, já está no título, mas é considerável frisar: não é política, é psicanálise. Desejo escrever acerca dos movimentos psicanalíticos sobre as subjetivações tidas como bolsonaristas.
Assim sendo, não é uma questão de tomar partido, entretanto, é pensar sobre os fenômenos que movimentam mentes e arrastam simpatizantes para o tal discurso. Já é um convite para você me acompanhar, leitor, sendo assim, vamos lá.
O tecido social: palco das tramas e dos dramas
As nações são sistemas que já existem desde os tempos antigos. Quando pensamos em tais grupos, elas são, digamos assim, constituídas a partir de dadas características. “[…] organizadas em torno de uma língua, uma cultura, um passado e um projeto comuns, aspectos que favorecem o senso de pertença grupal, estabelecendo laços de solidariedade, e que dão corpo a uma identidade nacional, demarcando a diferenciação em relação ao estrangeiro” (JÚNIOR; NETO, 2022). No pensamento de Júnior e Neto (2022), as estruturas sociais são engrenagens com um teor de racionalidade, mas que possuem uma proporção de inconsciência.
Funcionam como elaborações secundárias, ou seja, derivações ou arranjos que dão destinos a elementos mais seminais, primários, inconscientes. Assim, os grupos podem ser analisados (no sentido literal da palavra análise: desligar, separar suas partes) a partir do que há de mais elementar em sua formação: para Freud (1921/1996), consiste no elemento libidinal, sexual; para Mello Neto (1997), constitui o “átomo” da formação social (JÚNIOR; NETO, 2022).
Na perspectiva do pai da psicanálise, Sigmund Freud, uma sociedade é movida por representações compartilhadas, imbuídas de desejo e, consequentemente, mobilizando os laços libidinais (JÚNIOR; NETO, 2022).
Entendendo o discurso bolsonarista
“Os sujeitos, partilhando ideais, abstrações, tendências em comum, se identificam uns com os outros, tornando o outro, antes estranho, em semelhante […]” (JÚNIOR; NETO, 2022). Ocorre o amor narcísico, isto é, investimento no outro, onde o eu se percebe nele, criando o narcisismo interno do coletivo. Com isso, o mesmo amor nutre e sustenta os aspectos identitários e suas respectivas diferenças com relação aos outros grupos (JÚNIOR; NETO, 2022).
As representações compartilhadas na grei servem como fonte consistente de sentido para o existir. “Os códigos e mitos presentes na cultura atuam, para o autor, como auxiliares de tradução para os sujeitos, fornecendo elementos que auxiliam os sujeitos na atribuição de ordem, sentido e razão à vida, o que os torna, portanto, elementos defensivos” (JÚNIOR; NETO, 2022).
O ser humano sente uma profunda necessidade de pertença, tanto que ele cria e recria relações. Quando pequeno, ele está ligado à sua progenitora. Com o término do vínculo materno, o indivíduo busca outros seres humanos. Ele busca para alcançar satisfação, felicidade, segurança e outros. Com o surgimento de oportunidades, disposições sociais, o homem desenvolve sua personalidade e compreensão de mundo (CHARCZUK, 2022).
O discurso bolsonarista e disposições sociais
As disposições sociais visam, pensemos assim, tornar o real palpável através das significações disponíveis. “No interior dos grupos se destacam figuras que, por possuírem algumas características especiais – sobretudo por sustentarem firmemente um ideal, fascinando e sendo admirado e prestigiado pelas multidões -, atuam de modo decisivo para a coesão grupal” (JÚNIOR; NETO, 2022).
São os tidos como líderes, elementos que trazem fascínio para a multidão. “[…] que canaliza a libido de seus membros da satisfação individual para os fins da coletividade” (JÚNIOR; NETO, 2022). Das massas emergem vários discursos de impacto, identificação, sedução e força (CHARCZUK, 2022).
“O líder, na medida em que é um elemento isolado do restante da multidão e porta qualidades que os demais admiram e gostariam de ter para si, é colocado na posição de ideal do eu (o que os demais aspiram a ser, um exemplo a ser seguido e alcançado)” (JÚNIOR; NETO, 2022).
Resumidamente: é um modelo a ser seguido, o grupo busca por amparo nas atitudes e nos moldes comportamentais no líder idealizado (CHARCZUK, 2022).
Ligações libidinais
“Assim as ligações libidinais tramadas no interior do grupo se estabelecem […]” (JÚNIOR; NETO, 2022). Ocorre uma adequação dos circuitos afetivos, onde o sistema de ideias cria o corpo ético e moral do grupo.
“A massa, enquanto corpo materno, pode ser compreendida como fornecedora de elementos integrativos e narcisizantes, de destinos para o escoamento libidinal (satisfação) e de elementos enigmáticos e excitantes que demandarão, por parte dos membros, novas traduções para a vida coletiva” (JÚNIOR; NETO, 2022). O psiquismo da pessoa é modificado com os discursos de força identificatória. Os indivíduos, partes da estrutura social, possuem particularidades e individualidades, mas os discursos de impacto alteram suas particularidades e individualidades. O sujeito anula seu aspecto individual e age de uma maneira bem diferente (CHARCZUK, 2022).
O sujeito, agora sendo parte de um dado movimento grupal, passa a assimilar e viver as representações selecionadas pelo mesmo. A pessoa não exclui suas construções psíquicas originais, ela apenas anula e assume os novos dispositivos.
A família e suas vivências
A família é a primeira experiência de laço social da criança, ou seja, ela recebe e experiência os produtos culturais dos pais: amor, respeito, solidariedade, crença, fraternidade, etc. É a chamada ordem simbólica, em outras palavras, são os valores que os pais transmitem para a criança, conferindo a ela uma ordem, um entendimento sobre o mundo (CHARCZUK, 2022).
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As disposições originais, vivências familiares, do sujeito ficam em suspensão. “O sujeito anula seu aspecto individual e age de uma maneira bem diferente” (CHARCZUK, 2022). A pessoa assimila o chamado mecanismo de identificação, em outros termos, o indivíduo apreende alguma propriedade de alguma outra pessoa ou grupo. (CHARCZUK, 2022).
Destarte, a pessoa passa a compreender que o discurso do coletivo e seu líder são o ideal, o certo e que não existem erros. Com o mecanismo de identificação atuante, o mecanismo de negação aflora. O sujeito está refugiado da realidade, ele, seguindo o coletivo hipnotizado, fica sempre na defensiva, isto é, tudo é falso, exceto sua forma de pensar e ver o mundo. É o mecanismo da negação, ou seja, qualquer evento que esteja fora do padrão de pensamento da pessoa é bloqueado. É simplesmente fuga da realidade […]. (CHARCZUK, 2022).
O discurso bolsonarista do grande líder
Tudo está voltado para o “Big Boss”, o grande líder, o campo psíquico do coletivo está devidamente trabalhado, arado com as disposições psicológicas necessárias, as notas precisas para a composição do concerto ideológico acontecer sobre as massas.
A eleição de Jair Messias Bolsonaro
Lá pelos anos de 2015, o militar reformado, Jair Messias Bolsonaro, iniciou seus trabalhos para sua campanha eleitoral. Ele passou a promover diversos eventos presenciais em inúmeros estados.
O discurso de Bolsonaro ganha força e adesão nas redes sociais. Prometendo realizar uma limpeza contra as esquerdas, identificadas à “sujeira”, trazer a volta dos valores da “família tradicional” e governar o Brasil com punhos de ferro, ao estilo militar, sustentou a imagem de um sujeito honesto, “ficha limpa”, incorruptível, contra todo o sistema. Um mito, um herói, um mártir (JÚNIOR; NETO, 2022).
Bolsonaro ampliou seus discursos através dos meios tecnológicos, ou seja, a internet. Mobilizando inúmeros apoiadores. Até o final de agosto de 2018, as pesquisas de intenção de voto mostravam o ex-presidente Lula da Silva (PT) na liderança, com Jair Bolsonaro, então filiado ao PSL, na segunda colocação. O petista foi preso em abril daquele ano, por decisão do então juiz federal Sergio Moro, titular da Operação Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba (ARAGÃO, 2022).
O marketing de Bolsonaro
De fato, a equipe de marketing de Bolsonaro soube conduzir à ascensão do ex-presidente por meio da sublimação do antipetismo. “[…] no momento em que o ex-presidente Lula da Silva estava preso e impedido de concorrer ao pleito presidencial devido às decisões oriundas da Operação Lava Jato […]” (ARAGÃO, 2022).
Como atesta Aragão (2022), Jair Messias derrotou o ex-prefeito Haddad com 57, 8 milhões de votos no segundo turno, tudo registrado em urna eletrônica.
O discurso bolsonarista sob o olhar cirúrgico da Psicanálise
A grande importância a ser destacada sobre o ser humano, principalmente quando ele está envolvido em algum tipo de representatividade, é o quesito caráter. “Caráter define o agir do ser humano no corpo social. O desvio de caráter é tido como o indivíduo que prefere viver conforme suas vontades […]” (CHARCZUK, 2022). O caráter, para quem conduz uma nação, precisa estar ancorado em uma perspectiva que vise preservar o coletivo.
O discurso bolsonarista, baseado no medo e nos ataques primitivos aos inimigos, estabeleceu uma identidade de grupo (pessoas de bem), empoderando as massas e trazendo uma forte satisfação narcísica ao tornar cada membro um feroz combatente na luta contra o mal, que se localiza no outro (JÚNIOR; NETO, 2022).
Um discurso construído a partir de estruturas fleumáticas, o sujeito, já com experiências de sofrimentos passados, utilizará os dispositivos como artefatos para, digamos assim, dar um sentido para as mágoas pretéritas.
O desamparo e o discurso bolsonarista
Dores das mais variadas: um empego perdido, uma decepção amorosa, uma traição, elas serão como estopins para alavancar o ideário tido como bolsonaristas. “Diante da ameaça de queda em desamparo, uma figura onipotente pode ser buscada […]” (JÚNIOR; NETO, 2002). Sim, diante dos desamparos da vida, o conjunto de ideias bolsonaristas são como um descanso para as angústias e ansiedades das pessoas tidas como seguidoras.
[…] em uma espécie de relação sadomasoquista, na qual a massa, desestabilizada, adere a um líder que, por meio de um discurso que promete a segurança e a retomada de um passado idealizado, mobiliza-os na luta contra algum bode-expiatório, causa de todos os males que afligem a nação – papel atribuído a Lula e seu partido. Diante do desamparo, os indivíduos buscam, na submissão a um protetor absoluto e destrutivo, a segurança e proteção (JÚNIOR; NETO, 2022).
O bode expiatório, um ritual hebreu encontrado no livro bíblico chamado Levítico, objetivava purificar através de um conjunto de rituais, o povo. Um ritual religioso que tinha como participação dois bodes. Por meio de um sorteio, o escolhido era sacrificado, conjuntamente com um touro.
A cabeça do bode
O sangue era utilizado para pintar o templo e suas paredes. O bode que escapava da morte era o bode expiatório, com o papel de levar simbolicamente os pecados da nação. O sacerdote colocava suas mãos sobre a cabeça do bode e o enviava para o deserto. Lá, o bode morreria com as más influências do diabo que antes perturbavam à população judaica.
Quando Luiz Inácio Lula da Silva foi preso, ocorreu uma espécie de purgação simbólica, sendo ele preso, mandado para o deserto, trouxe alívio psicológico para os seguidores de Bolsonaro.
O sadismo encarnado pelo líder autoritário, por sua ocupação do lugar de ideal do eu, atua de forma a liberar o sadismo de seus súditos. O líder que promete exterminar seus inimigos libera uma agressividade para o interior da massa, fazendo com que, horizontalmente, se estabeleçam relações de ódio e sadismo para com o diferente, o subjugado, o marginalizado, o “inimigo”. Se o lulismo compôs o terreno polarizado, com Bolsonaro o quadro se acirra, incrementando as moções de ódio projetadas no outro (JÚNIOR; NETO, 2022).
Desejos e sentimentos
O discurso bolsonarista foi feito sob a égide do mecanismo de projeção, uma defesa primitiva que é uma forma do indivíduo expulsar de si desejos, sentimentos, comportamentos, encontrando somente em terceiros.
Caso alguma manifestação apareça na personalidade do indivíduo, a culpa é sempre do outro. Por entre as descargas emocionais advindas dos discursos, o sadismo encontrou sentido no antipetismo e o masoquismo também encontrou seu espaço na pessoa de Bolsonaro.
Uma das manifestações mais visíveis pós-2013, que consistiu uma tônica da campanha eleitoral de Bolsonaro, foi o forte apelo pela volta dos militares ao poder. O Brasil, que vivenciou uma ditadura militar por 21 anos (1964-1985), nesse momento de crise se vê às voltas com fantasmas de um período sombrio de nossa história (JÚNIOR; NETO, 2022).
Uma espécie de evolução e o discurso bolsonarista
O ex-presidente Bolsonaro intentou para uma espécie de revolução. “O estado de exceção brasileiro se trata de um período cuja história se encontra mal narrada, mal resolvida, não devidamente elaborada em nosso corpo social, corroborada pela anistia que igualou torturadores e torturados, deixando os primeiros impunes” (JÚNIOR, NETO, 2022).
O que ocorreu foi uma lacuna simbólica acerca do fato passado, não sendo ele elaborado, veio à tona como repetição, assim, virando um sintoma no discurso bolsonarista (JÚNIOR, NETO, 2022).
Carregando, portanto, um significativo lapso em nossa memória coletiva, contaminada e impregnada pela versão oficial da história, os apelos pela volta dos militares ao poder por uma parcela da população surgem, no contexto de crise, enquanto uma tentativa mágica de regressão a tempo semiedênico, quando reinavam a ordem e o progresso imaginários (JÚNIOR, NETO, 2022).
O mecanismo de negação
O apelo pelo retorno da ditadura veio recheado pelo mecanismo de negação e o desejo pelo retorno de um tempo bucólico, original, idealizado, ou seja, o término do desamparo humano.
“Trata-se de uma saída defensiva que busca em uma liderança despótica a solução para calar a divergência, eliminar o “outro-diferente”, silenciar questionamentos; uma forma regredida de destruir e aniquilar o conflito” (JÚNIOR, NETO, 2022).
Para um coletivo que é regido por uma determinada ética ou moral, o diferente não pode existir, ele precisa ser eliminado. Havendo o diferente, é criado incompatibilidade com os dispositivos adotados pelo grupo. “A lógica é bem constituída, não existe ilogicidade, pois a grei está amparada em, digamos assim, fórmulas frasais, que impulsionam o andar das pessoas” (CHARCZUK, sd).
Algo fora da lógica do grupo não pode existir, ele precisa ser eliminado.
“A volta da ditadura oferece, em um momento de crise social, uma ilusão de segurança e estabilidade, por meio da sustentação e identificação a um pai forte e protetor de seus filhos […]” (JÚNIOR, NETO, 2022). É a busca pelo mundo idílico, o término do medo e da insegurança proporcionada pela finitude da existência.
“O sentimento pelo ditador a nutre, mas é um amor não durável e emoldurado pelas selvagerias ocultas nos recônditos do inconsciente” (CHARCZUK, sd). O líder é a descarga dos seguidores, ele é a eliminação da culpa do sujeito, o alívio para suas angústias internas.
O líder possui significado de líder enquanto suprir os anseios psicológicos das massas. Ele tem sentido conforme vai saciando os desejos ocultos do grupo. Se ele souber saciar adequadamente, pode até se tornar um mito.
Mito! Mito! Mito! E a bandeira Brasileira
O que as massas viram em Jair Bolsonaro foi uma evocação atemporal. O retorno à narrativa fundadora, a orbe primeva. “A retomada dos mitos surge enquanto medida para recolocar a nação nos trilhos certos […]” (JÚNIOR; NETO, 2022). Com um sentimento de desamparo incrustado, o arauto Bolsonaro surgiu como um caminho para um novo país, uma nova era.
Uma era perfeita, homogênea e triunfante. “Em seu bojo, evidencia-se o recurso à violência do Estado para a eliminação de tudo o que é entendido como obstáculo à homogeneização dessa massa: seus inimigos, entendidos como corruptores dos valores tradicionais da nação e obstáculos a seu desenvolvimento” (JÚNIOR; NETO, 2022).
O mito fundador, Bolsonaro, ávido pela vitória, um novo Éden, montado em seu Pégaso, enfrentando o monstro mítico Kraken, os inimigos, a parte não homogênea do progresso.
Símbolos nacionais do discurso bolsonarista
Os símbolos nacionais são evocados para manter a ordem que, aliás, estampa nossa bandeira: uma insígnia que mobiliza uma defesa ante o medo da dissolução da massa, da perda de sentido comunal e dos fantasmas de corruptores que estariam infiltrados no corpo social pervertendo-o, colocando os valores de “cabeça para baixo”, tirando a inocência das crianças nas escolas, alastrando práticas imorais e atentando contra aquilo que funda a vida comunitária, sobre os diques da sexualidade polimórfico-perversa (JÚNIOR, NETO, 2022).
Efetivamente, o discurso bolsonarista se apropriou dos significados nacionais brasileiros. Hoje, quando você vê uma pessoa com a bandeira do Brasil, você não sabe o que o sujeito está querendo expressar: um sentimento patriótico ou uma manifestação bolsonarista. Os artefatos patrióticos foram absorvidos pelos discursos bolsonaristas para robustecer o sentimento de força e diluir o medo.
Conteúdos bolsonaristas
Os dispositivos bolsonaristas foram como, entendamos assim, purificadores dos símbolos brasileiros. É um novo período, um recomeço, graças aos conteúdos bolsonaristas. Vejamos alguns:
“Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria acometido, quando muito, de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico, daquela conhecida televisão.”
“Ele merecia isso: pau-de-arara. Funciona. Eu sou favorável à tortura. Tu sabe disso. E o povo é favorável a isso também “O erro da ditadura foi torturar e não matar.”
“Eu não sou coveiro.”
“Vai comprar vacina na casa da tua mãe.”
“Se tomar vacina, vai virar um jacaré.”
“A vacina está transmitindo AIDIS.”
“Pátria armada.”
“Imbroxável.”
Conforme o conteúdo discursivo citado acima, é válido haver uma inferência do manejo psicanalítico. Meu propósito não é trazer todo o material bolsonarista, mas apenas algumas reações do ex-presidente em determinadas circunstâncias.
Reflexão sobre o mito delirante
“Os mitos fundadores da sociedade devem se metamorfosear em mitos delirantes” (BURSZTEIN, 1998, p. 29). Bolsonaro foi apontado como mito, entretanto, os dispositivos que o apontavam como mito eram provindos de estruturas psicológicas em estado de mutação, quer dizer, o conteúdo ideológico bolsonarista já estava assentado sobre as estruturas originais dos seguidores.
Por conseguinte, ocorrendo uma psicose social, mitos delirantes espaçados sobre os mecanismos psicológicos das massas seguidoras. “A lei Constitucional do III Reich é a expressão jurídica da vontade do Führer” e “a vontade histórica do Führer não tem que satisfazer condições jurídicas.” Não se pode dizer melhor da perversão da lei” (BURSZTEIN, 1998, p. 23). Os mitos delirantes terminaram corroendo as percepções sobre a lei.
Bolsonaro foi licenciado pela massa a deturpar à lei. O certo virou errado, por consequência, os materiais bolsonaristas citados acima, discursos, foram apontados, como eu posso dizer, “normais”. Os mitos delirantes proporcionaram nas percepções das massas o que Freud certa vez disse: “hipnose”.
O ideal de eu do seguidor
O ideal de eu do seguidor é anulado, colocando em seu lugar o objeto a ser seguido. Por isso, as comunicações de Bolsonaro foram tão assertivas, pois elas foram recebidas pelos mitos delirantes. “O que chamamos, a partir da psicanálise, de laço social? Trata-se da relação entre os seres humanos que se sustenta do discurso e, por meio dele, assume as modalidades de época e marcas de uma cultura determinada” (TIZIO, sp, 2023).
O advento dos discursos bolsonaristas acarretou um irromper de um laço social com lógica própria, elegendo suas perspectivas sobre o certo e o errado.
Os mesmos discursos condensaram Jair Bolsonaro com os movimentos religiosos. “O Deus acima de tudo” foi um dito permeado com as intenções hipnotizantes do bolsonarismo, ou seja, o sentimento de adoração foi redirecionado para a pessoa do ex-presidente, tido como um elemento atemporal, carregado com verdades totalizantes. Verdades que até deram sentido para o discurso do virar jacaré.
Finalizando: sobre o discurso bolsonarista
O crivo da psicanálise é de suma importância para o meticuloso trabalho da percepção de um dado discurso. Acredito que o discurso bolsonarista ainda precisa ser mais detalhado, explorado. Com isso, leitor, fica o convite.
Referências
ARAGÃO, Alexandre. Jair Bolsonaro: a trajetória militar e política do presidente que busca a reeleição, 2022. Disponível em: Jair Bolsonaro: a trajetória militar e política do presidente que busca a reeleição em 2022- JOTA. Acesso em: 03 de maio de 2024.
BURSZTEIN, Jean Gérard. Hitler, a Tirania e a Psicanálise: Ensaio sobre a destruição da civilização. Brasil: Companhia de Freud, 1998.
CHARCZUK, Artur. Política perversa: a anatomia da perversão na política, 2022. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/politica-perversa/. Acesso em: 03 de maio de 2024.
CHARCZUK, Artur. O que é um ditador? Sd. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-um-ditador/. Acesso em: 03 de maio de 2024.
JUNIOR, Mauricio Cardoso da Silva; NETO, Gustavo Adolfo Ramos Mello. Do caos ao mito: a ascensão de um presidente pela óptica psicanalítica, 2022. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pcp/a/VFrqrj3F7SbmRXztScCDFzc/. Acesso em: 03 de maio de 2024.
TIZIO, Hebe. Novas Modalidades do laço social, 2023. Disponível em: Artigo laco social.pdf. Acesso em 05 de maio de 2024.
Este artigo foi escrito por Artur Charczuk, psicanalista em São Leopoldo, RS.
Os artigos representam as ideias de seus autores. Não representam necessariamente a posição do site.
One thought on “O Discurso Bolsonarista: não é política, é psicanálise”
O bolsonarismo é uma erva- daninha no cérebro da pessoa. Arranca, nasce de novo.