Fiodor Dostoiévski: vida, livros e principais ideias

Posted on Posted in Psicanálise e Cultura

O artigo apresenta quem foi Fiódor Dostoiévski, sua vida, sua obra, seus principais livros e ideias. O autor Rafael Duarte relaciona Dostoiévski, a interpretação de Freud e a relevância destes estudos em Psicanálise.

Graças à densa temática psicológica de seus textos, muitos acreditam que Fiódor Dostoiévski é uma referência direta para Sigmund Freud e para a Psicanálise. Apesar de ter utilizado diversos escritores em sua metapsicologia e na construção de conceitos-chave da Psicanálise, tais como Sófocles, Shakespeare e Goethe, Freud possui uma curta e polêmica relação com Dostoiévski, resumida a um único texto: “Dostoiévski e o parricídio”, de 1928.

Fiódor Dostoiévski lido por Sigmund Freud

Este texto, publicado originalmente enquanto texto suplementar às obras completas do escritor russo traduzidas para o alemão, espanta e causa questionamentos a muitos leitores até os dias atuais.

À primeira vista, Dostoiévski parece um aliado de Freud na análise do “Complexo de Édipo” com a sua “magnus opus”: o livro “Os irmãos Karamazov”, de 1880.

Nesta obra, tal como em “Édipo Rei” de Sófocles, o parricídio é central à trama. No entanto, Freud parece não reconhecer bem isso. Vamos abordar brevemente os motivos disso.

Quem foi Fiódor Dostoiévski?

Nascido em 1821 no então Império Russo, Dostoiévski foi um dos mais proeminentes escritores de sua geração, quiçá da História da Humanidade. Não só produziu textos em diversos gêneros – romances, contos, memórias, notícias e colunas em jornais – mas também abordou temas da experiência humana com grande profundidade, indo dos mais obscuros (o crime, o suicídio, o sofrimento) até os mais luminosos (a experiência religiosa, o amor). S

eus personagens alternavam entre o niilismo até a mais vã expectativa quixotesca do mundo. Muitos críticos literários colocam Dostoiévski como precursor do chamado “romance psicológico”, que seria a regra no século XX.

A vida de Fiódor Dostoiévski como romancista começou em 1846 com dois livros:

  • Gente Pobre” e
  • O Duplo”.

Dois anos depois viria “Noites Brancas”. Após essas obras iniciais, o escritor russo se afasta da carreira literária por causa da sua detenção em 1849 por causa de um suposto envolvimento em uma conspiração para derrubar o czar Nicolau I.

Dostoiévski recebe, inicialmente, recebe a pena de morte, mas acaba recebendo um perdão imperial parcial, sendo preso em exílio na Sibéria por 10 anos.

Dostoiévski a partir de 1860: livros da maturidade

Em 1860, já de volta à cidade de São Petersburgo com novo perdão imperial para tratar de sua saúde, Dostoiévski retorna à vida literária.

É nesse momento que inicia a publicação de seus grandes livros, começando por “Notas do Subterrâneo” (também chamado de Memórias do Subsolo, 1864), “Crime e Castigo” (1866) e “O Jogador” (1867). Toda a criação destas obras foi imersa em problemas familiares, financeiros (Dostoiévski era um jogador compulsivo), bem como de saúde física e mental do próprio escritor e dos seus entes queridos.

Nos anos 1870, Dostoiévski já é mais reconhecido no mundo cultural e literário russo. Suas obras “O Idiota” e “Os Demônios” são extremamente originais, antecipando o maior de todos os seus livros: “Os Irmãos Karamazov”.

Publicado em 1880, um ano antes da morte de Dostoiévski, “Os Irmãos Karamazov” é considerado uma das maiores obras da literatura mundial. Ela é escrita no contexto da morte de seu filho Aliosha, acompanhando a própria deterioração da saúde do romancista.

“Os Irmãos Karamazov” é a obra referenciada por Sigmund Freud em seu “Dostoiévski e o parricídio”. Publicada em 1928, ela inicialmente, como nos revela Edmundo Gómez Mango em seu livro “Freud e os Escritores” com J-B Pontalis, seria apenas o prefácio a uma versão sem edição traduzida para o alemão da “magnus opus” de Dostoiévski.

Os quatro diferentes Dostoiévski para Freud

Em “Dostoiévski e o parricídio”, Sigmund Freud inicia o seu texto com uma afirmação poderosa: a de que Fiódor Dostoiévski é um dos maiores escritores que já viveram, não muito atrás da presença máxima de William Shakespeare, dramaturgo e poeta inglês.

QUERO INFORMAÇÕES PARA ME INSCREVER NA FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE

    NÓS RETORNAMOS PARA VOCÊ




    Além disso, para Freud, Fiodor Dostoiévski teria escrito “o mais extraordinário romance já escrito” em “Os Irmãos Karamazov”.

    No entanto, no contexto desse elogio, o Pai da Psicanálise solta uma afirmação que até hoje é alvo de polêmica.

    Freud considera que Dostoiévski possui quatro fachadas, máscaras de personalidade:

    • escritor,
    • neurótico,
    • moralista e
    • pecador.

    Isso não foi muito bem recebido. Edmundo Gómez Mango, na obra mencionada anteriormente, nos diz que Philippe Sollers, em uma análise perspicaz, diz que Freud trata Dostoiévski como apenas 25% escritor, sendo os 75% restantes um homem em plena contradição.

    Contradição porque em Dostoiévski, em toda sua obra, se coloca enquanto um moralista, mas não teria jamais alcançado a condição de um escritor moral.

    Em outras palavras, Freud nos indica que, ao contrário de um La Rochefoucauld que trabalha eticamente, positivamente, os problemas da moral, Dostoiévski é um moralista ao negativo: seus personagens apresentam os problemas da moral pela subversão, indicando o homem neurótico que é.

    Tal como conclui o psicanalista franco-uruguaio Edmundo Gómez Mango, “na visão de Freud, o escritor parece transmutar-se num de seus personagens, o criminoso inocente, deixando-se arrastar por uma forte pulsão de destruição que visa sua própria pessoa e se manifesta sob a forma de profundo sentimento de culpa e masoquismo”.

    A importância de Dostoiévski para a Psicanálise de Freud

    Dostoiévski seria simplesmente um frágil masoquista em sua autoimagem “pecadora”, sendo essa fonte do “Complexo de Édipo” inserido no parricídio que move a trama de “Os irmãos Karamazov”, sendo de natureza neurótica diferente daquela posta no “Édipo Rei” ou mesmo no “Hamlet” de Shakespeare.

    Uma imaginação psicológica, quase psicanalítica Entre elogios, críticas e um ato de colocar Dostoiévski e seu “Os irmãos Karamazov” no divã, Sigmund Freud produz em “Dostoiévski e o parricídio” um dos textos fundamentais para entender as relações entre Literatura e Psicanálise, bem como visualizar como as Artes da Palavra podem nos ajudar a entender a experiência humana de uma maneira mais psicanalítica, seja na clínica, seja na crítica social.

    Em português, “Dostoiévski e o parricídio” está disponível em diversas fontes: no volume “Arte, Literatura e os Artistas” da coleção “Obras Incompletas de Sigmund Freud” (Editora Autêntica), no volume XVII das Obras Completas publicadas pela Companhia das Letras ou no volume XXI da Edição Standard Brasileira (Editora Imago).

    Já as obras mencionadas de Dostoiévski podem ser achadas em português por diversas editoras. Em 2021, tanto Freud como Dostoiévski estão em destaque. São 200 anos do nascimento do escritor russo e 165 anos do nascimento do Pai da Psicanálise.

    Assim, porque não comemorar essas datas tão importantes imerso na leitura de dois gigantes da imaginação psicológica e da metapsicologia psicanalítica?

    Este artigo sobre a vida, as ideias e os livros de Fiódor Dostoiévski e sua importância para Freud e a Psicanálise foi escrito por Rafael Duarte Oliveira Venancio ([email protected]) exclusivamente para o Portal Psicanálise Clínica. Rafael é escritor e dramaturgo, psicanalista e psicoterapeuta, professor e mentor. É pós-doutor pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), sendo Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela mesma instituição. Suas peças de teatro e de radioteatro foram encenadas em três línguas em três países, tendo como temas mais frequentes a ficção e reimaginação histórica, a metadramaturgia, a história do futebol e demais esportes, e o storytelling filosófico e psicanalítico.

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *