início do tratamento em psicanálise

Início do tratamento na Psicanálise e as entrevistas preliminares

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Neste artigo, vamos abordar aspectos relacionados ao início do tratamento em Psicanálise. Ou seja, vamos falar dos primeiros instantes da relação entre o psicanalista e um novo analisando. Normalmente, esta relação se inicia quando o potencial analisando procura o psicanalista, com o objetivo de iniciar um tratamento.

Este momento inicial é conhecido no meio psicanalítico como Entrevistas Preliminares. Vamos entender os fatores que costumam marcar este momento, chamado por Sigmund Freud, em seu conjunto, de “tratamento de ensaio”.

Falaremos dos pontos fundamentais sobre esse momento inicial do tratamento psicanalítico, visando compreender qual é a sua função para a prática clínica. Como ponto de partida, tomaremos algumas ideias que Freud apresenta no texto “Sobre o início do tratamento” (1913) e alguns aspectos sobre a prática atual da análise.

Objetivos do início do tratamento em Psicanálise

Vamos abordar os elementos mais importantes e recorrentes das sessões iniciais de um tratamento psicanalítico. Compreender este começo do tratamento é, de certa forma, ter uma noção bastante consistente sobre o próprio funcionamento da terapia psicanalítica de uma forma geral.

Ou seja, compreender o início do tratamento é a base para você compreender também o “meio” e o “fim” do tratamento, embora não possamos falar de “fases” tão estáticas e que funcionem do mesmo modo para todos os analistas e analisandos.

Podemos destacar como os três principais objetivos iniciais das entrevistas preliminares os seguintes:

1. Estabelecer o vínculo terapêutico.

O contato inicial normalmente é marcado pela procura do potencial analisando pelo analista. Esta busca é o primeiro movimento na direção de se estabelecer um vínculo terapêutico do início do tratamento.

Ainda não está estabelecido um quadro maior de entendimento clínico, mas já começam a ser dados os parâmetros para a relação de confiança necessária para o desenvolvimento da terapia analítica.

Ainda, entender se o potencial analisando já passou por psicoterapia ou psicanálise antes pode ser uma pergunta de abertura do analista nestes primeiros contatos do início do tratamento. Assim, a percepção do analisando pode revelar a ideia de terapia que ele tem em mente e os tipos de resistência que ele já possa trazer de experiências anteriores.

2. Fazer o recolhimento da demanda analítica trazida pelo analisando.

Esta busca inicial parte de uma ideia do potencial analisando sobre qual é sua necessidade, sua “dor”, sua demanda. Esta demanda é de natureza simbólica e parte da visão que o analisando traga a respeito dela.

O analisando pode informar logo no início do tratamento que quer curar-se de uma depressão ou de um luto, por exemplo, ou que quer reduzir um quadro de ansiedade. Ou que já tem um diagnóstico psiquiátrico e quer, paralelamente às medicações das quais já faz uso, ter uma melhor compreensão psiquica ou cognitiva sobre esta condição.

Uma demanda também recorrente é a do autoconhecimento. Este tipo de demanda tende a não ser apenas um conhecimento de si. Costuma estar embutida uma percepção de mal-estar ou uma demanda de cura que, por meio do autoconhecimento, o analisando espera atacar.

3. A retificação subjetiva da demanda trazida pelo analisando.

É como o psicanalista pode ressignificar a demanda inicial trazida pelo analisando, transformando-a em um sintoma analítico. Assim, o psicanalista busca sintetizar algumas ideias sobre as demandas trazidas pelo analisando e iniciar a construção de uma hipótese terapêutica.

O psicanalista implica o analisando no próprio discurso subjetivo do analisando. No caso das neuroses, segundo Freud, o importante é a realidade psíquica do sujeito, isto é, a forma como ele subjetivamente percebe o mal-estar.

Pode ser que o analisando espere que o psicanalista logo no início do tratamento acate sua demanda de cura e o diagnóstico que o analisando traga de outro lugar, por exemplo, quando o analisando diz que foi a um psiquiatra e foi diagnosticado com um quadro de depressão maior.

Em vez disso, pelo viés da retificação subjetiva, o psicanalista retifica este “autodiagnóstico” taxativo com uma pergunta ao analisando: “E para você como é ter depressão?“. Este tipo de pergunta permite uma reflexão do analisando sobre como ele percebe a demanda de cura que ele trouxe, de modo que, se o psicanalista a fizer a dez analisandos diferentes sobre a mesma demanda (no exemplo, sobre ter depressão), a  resposta será dez formas de ver diferentes por parte destes analisandos.

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Ou seja, a percepção sobre uma demanda analítica ou de cura vai diferir de analisando para analisando. E será este olhar subjetivo sobre o próprio mal-estar o que mais interessa à clínica psicanalítica. Em vez de simplesmente tratar a depressão, a terapia psicanalítica vai buscar tratar o mal-estar que é se sentir em depressão, a partir do ponto de vista de cada analisando.

A compreensão da dinâmica psicanalítica pelo analisando

Este começo do tratamento ainda é um momento bastante inicial do vínculo terapêutico. Assim, a retificação analítica da demanda trazida pelo analisando já sugere a ele que será um ambiente aberto, no qual não se busca “encerrar a questão” com um diagnóstico taxativo.

Um julgamento pelo analista neste início provavelmente assustaria o potencial analisando e o colocaria na condição de “julgado”.

Como o analisando se sentiria para a sequência do tratamento e para poder elaborar sua livre associação e a relação transferencial, se o psicanalista tiver começado já com rótulos prontos? É fundamental que o analisando sinta que, na terapia, ele não será julgado como eventualmente costuma ser em outros contextos sociais. Só assim a relação de confiança pode ser estabelecida e ele poderá livre-associar.

Quanto tempo dura este início de tratamento?

Não é possível uma resposta exata. Pode durar uma sessão, um mês, dois meses…

Vai depender de dois fatores principais:

  • O psicanalista conseguir elaborar uma hipótese terapêutica e
  • O analisando encontrar o seu lugar para livre associar e sentir-se seguro com o analista.

Assim, pode não ser óbvio demarcar um tempo como “antes era o tratamento de ensaio, agora começou o tratamento propriamente dito”, pois tudo será parte do tratamento, se houver continuidade após um começo bem-resolvido.

O analista pode ter uma ideia a respeito destes momentos, mas pouco útil seria informar isso ao analisando. Além do que “fechar” um ciclo de início do tratamento não significa uma clausura total, pois não pode impedir que novas demandas do analisando e novas hipóteses surjam no decorrer das sessões de análise, o que é uma dinâmica fundante da terapia analítica.

A hipótese diagnóstica no início do tratamento

A hipótese diagnóstica inicial não é tão exata quanto aquela em que um ortopedista, por meio de um exame de raio-x, verifica que o paciente tem um osso quebrado.

Na psicanálise, a hipótese é uma elaboração do analista a partir:

  • da demanda de cura trazida pelo analisando e
  • das informações iniciais que o analista obteve do analisando, mesmo que indiretas, a partir de aspectos de família, autoimagem, autoestima e outros.

A partir disso, o psicanalista terá os elementos iniciais para criar sobretudo a forma como se dará sua escuta e intervenção com este analisando, a qual poderá ser:

  • mais contudente: quando o analisando mostra um ego mais fortalecido para suportar um ponto de vista ou uma correlação proposta pelo analista, sendo que o analisando já sugere (direta ou indiretamente) ao analista que deseja esta “franqueza”;
  • menos contudente: quando o analisando demonstra um ego muito fragilizado (baixa autoestima) ou muito exacerbado (numa postura potencialmente narcísica) que pode resultar em resistência, implosão da relação transferencial e o consequente abandono da terapia.

O início do tratamento e a associação livre

O método da associação livre é o método freudiano por excelência. Assim:

  • da parte do psicanalista, a associação livre pressupõe do psicanalista uma escuta ativa e a eloboração de correlações que sejam construídas a partir da análise dos elementos explícitos e, sobretudo, implícitos trazidos pelo analisando;
  • da parte do analisando, a associação livre pressupõe que ele “abaixe suas guardas”, que fale sobre si de forma livre e sem restrição crítica, sabendo que o psicanalista não o julgará.

Mesmo que o psicanalista não diga ao analisando (com tom professoral) sobre “o que é psicanálise“, ou sobre o conceito de associação livre, ou sobre o conceito de transferência, é importante que no início do tratamento o psicanalista informe diretamente (e reforce em sua prática) que é nesta forma de escuta e diálogo (da associação livre) e na relação de confiança (transferencial) que está a possibilidade de efetividade da Psicanálise.

Resumindo, sobre o começo do tratamento

Quando ocorre? A partir do momento em que o potencial analisando procura o psicanalista, com uma demanda analítica ou demanda de cura.

Quanto tempo dura? Pode durar uma sessão, duas sessões, um mês etc. Não há tempo pré-definido. As Entrevistas Preliminares duram o tempo necessário para o psicanalista criar uma hipótese terapêutica e o analisando se localizar no ambiente de confiança para livre-associar.

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Quais os três objetivos desta Entrevista Preliminar (ou destas Entrevistas Preliminares)?

  • Estebelecer o vínculo terapêutico: o começo da relação de confiança que poderá se firmar como uma relação transferencial.
  • Recolher a demanda analítica ou de cura do analisando: entender qual “dor” ou necessidade o fez procurar terapia. Por exemplo: “Tenho depressão”.
  • Realizar a retificação subjetiva desta demanda: implicar o sujeito de modo que se estabeleça que o fundamental não é a ideia de diagnóstico que ele traga de outro lugar, mas sim a forma como ele (subjetivamente) percebe esta dor e lida com ela. Isso normalmente é feito por meio de uma pergunta do analista ao analisando: “Você me disse que tem depressão. Mas, como é para você ter depressão?”.

Este artigo foi escrito por Paulo Vieira (gestor de conteúdos do Curso de Formação em Psicanálise), a partir do texto “Sobre o início do tratamento” (Freud, 1913) e de ideias trazidas na Live “Entrevistas Preliminares” realizada pelo professor Pedro Sá para o Curso de Formação em Psicanálise (gravação disponível na área de membros dos alunos do curso).

 

19 thoughts on “Início do tratamento na Psicanálise e as entrevistas preliminares

  1. Muito bem elaborado ao ponto de ser claramente entendido e enriquecedor. Parabéns ao Paulo Vieira!

  2. Existe alguma diferença significativa e entre: demanda do analisado e demanda do analisando?
    parabéns pelo artigo.

    1. Olá, Dhan. Entendemos que não haja diferença. Analisado e analisando podem ser usados como sinônimos. Preferimos “analisando” por reforçar uma ideia de um processo de terapia em andamento, enquanto que “analisado” pode dar uma ideia de uma terapia já finalizada.

  3. Artigo perfeito para melhor compreensão dê ser humano quê busca adquirir conhecimento, como plena ciência da luz de Princípios Fundamentais regente.

    Agradeço Pai das Luzes, informação – tecnologia, aparelho portátil, fonte Inesgotável, luz Inacessível.

    Gratidão

  4. Muito bom artigo! A Psicanálise, a (Arte da Espera), não se pode ter pressa para se dá o diagnóstico.

  5. Muito esclarecedor. Parabéns!
    Uma pergunta: o que caracteriza um “bom início de tratamento”?

    1. Olá, Rilke. Obrigado por sua mensagem. Um bom início de tratamento seria um bom alinhamento entre as expectativas do analisando e do analista, passando pelos itens que citamos no artigo.

  6. Muito bom este artigo. Estou assistido a live “Entrevistas Preliminares” acompanhado com esse artigo. Estou revisando para aprimorar.

  7. Entendi que e preciso criar uma conexão para que haja o sentimento de estar seguro e livre para expor a dor que atormenta a pessoa e sem julgamento.

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