pessoas altamente sensíveis

Pessoas altamente sensíveis (PAS) e a cura pela fala

Posted on Posted in Comportamentos e Relacionamentos

Você já ouviu falar em pessoas altamente sensíveis (PAS)? Elas nada mais são do que pessoas neuroatípicas, que possuem o traço da alta sensibilidade.

Neuroatipicidade refere-se a um estado ou característica em que o funcionamento neurológico de um indivíduo difere dos padrões considerados “típicos”. Isso pode se manifestar em várias formas, incluindo diferenças no processamento sensorial, cognitivo, emocional e comportamental. É o caso das pessoas altamente sensíveis (PAS).

Entendendo sobre as pessoas altamente sensíveis

Embora não seja considerada um transtorno, a alta sensibilidade vem chamando a atenção de profissionais da saúde mental e ganhando bastante espaço na literatura. No Google, basta uma pesquisa rápida sobre o assunto para ser inundada por postagens, testes, dicas e comentários de pessoas afirmando que são altamente sensíveis.

Mas vamos com calma. Justamente pela enxurrada de informações (nem sempre verdadeiras), é que optei por escrever este artigo sob o viés da psicanálise, como uma possibilidade embasada para a compreensão do universo da alta sensibilidade.

O que significa ser uma pessoa altamente sensível (PAS)?

PAS é a sigla para pessoa altamente sensível. Os primeiros estudos sobre o traço da alta sensibilidade foram feitos pela psicóloga americana Elaine Aron, em meados de 1991. Até hoje, Elaine é considerada referência. Sendo eu mesma uma pessoa altamente sensível (PAS), comecei a pesquisar sobre o tema alguns anos atrás, embora o conteúdo disponível em português fosse escasso.

No tocante à psicanálise, não encontrei material que relacionasse ambos os temas (alta sensibilidade e psicanálise) até o momento, daí o nascimento deste primeiro artigo para a comunidade interessada em discussões psicanalíticas. Antes de prosseguir, é importante deixar claro o que se sabe sobre o traço da alta sensibilidade, com base nos estudos de Elaine Aron:

  • É um traço de personalidade normal. Estima-se que a cada cinco pessoas, uma seja altamente sensível. A alta sensibilidade é mais comum do que se imagina.
  • É inato. Na verdade, os biólogos o encontraram em mais de 100 espécies, desde moscas-das-frutas, pássaros e peixes até cães, gatos, cavalos e primatas.
  • Uma PAS está mais ciente das sutilezas ao seu redor. Isso ocorre porque o cérebro altamente sensível processa as informações e as reflete mais profundamente.
  • É mais fácil sentir-se sobrecarregada. Se uma PAS perceber tudo, naturalmente ficará superestimulada quando as coisas forem intensas, caóticas ou novas por um longo tempo.
  • Esta característica não é nova, mas está ganhando novos contornos. As PAS preferem analisar muito bem antes de entrar em novas situações. Devido a essa análise demorada, muitas são rotuladas como tímidas. Mas isso não faz sentido: timidez é um estado, não uma característica; tanto é verdade que cerca de 30% das PAS é extrovertida.
  • A sensibilidade é valorizada de forma diferente em diferentes culturas. De acordo com Elaine, em culturas onde a sensibilidade não é valorizada, as PAS tendem a ter baixa autoestima. No Brasil, é comum ouvir coisas como “não seja tão sensível”, o que pode contribuir para um sentimento de anormalidade.
  • O Transtorno do Processamento Sensorial (TPS) não tem relação com o traço da alta sensibilidade. O conceito aqui descrito é uma variação normal de temperamento encontrada em até 20% da população mundial e, por si só, não causa prejuízo ou angústia.

Agora, sim, passemos às questões psicanalíticas.

A cura pela fala e o sentimento de pertencer

Escolhi o caso da paciente Anna O., pseudônimo de Bertha Pappenheim, para associar a algo que as pessoas altamente sensíveis (PAS) parecem experimentar quando descobrem o traço: a cura pela fala.

Vale a pena, no entanto, voltar um pouquinho no tempo e contextualizar: Bertha Pappenheim foi uma líder do movimento feminista, assistente social e escritora, que ficou conhecida pelo pseudônimo Anna O., atribuído pelo médico Josef Breuer em seu livro “Estudos sobre a histeria (1893–1895)”, escrito em parceria com Sigmund Freud. Breuer atendeu Anna O. entre 1881 e 1883.

Durante o relato, Breuer explica como a cura pela fala foi capaz de desfazer os nós na cabeça da paciente, que sofria de sintomas físicos e mentais, incluindo paralisia, tosse nervosa e distúrbios visuais. Na psicanálise, a cura pela fala pressupõe a reorganização do discurso: falo, logo, não penso, e se não penso, posso existir.

As pessoas altamente sensíveis para Freud

O pensar sem falar é sufocante, daí a importância de criar espaço para que o não dito venha à tona.

Quando o não dito surge, a mente se reorganiza e as associações feitas pela paciente encontram sentido.

Citada pela própria Anna O., a cura pela fala foi desenvolvida e aprimorada por Freud, anos mais tarde, transformando-se no método da associação livre. Segundo Freud, a fala nos atravessa e nos permite acessar um sentimento de pertencimento.

O alívio das pessoas altamente sensíveis (PAS)

A cura pela fala é algo que observo ao conversar com pessoas altamente sensíveis (PAS) que recém descobrem o traço da alta sensibilidade. É claro que falar em “cura” pode soar um pouco demais, afinal, o caminho do autorreconhecimento é longo. Mas acho interessante a clareza que as PAS obtêm ao serem ouvidas com empatia pela primeira vez.

Para as PAS, a cura pela fala acontece quando elas passam a ter uma nova concepção de si e do que acontece consigo mesmas. É quando elas percebem que está tudo bem ser como são e sentir o que sentem. Conforme Fochesatto (2011): O método proposto pela psicanálise tem origem na escuta do sujeito que sofre. Por isso é imprescindível que esta escuta analítica se desdobre numa escuta de si.

Quando uma pessoa altamente sensível (PAS) começa a elaborar a descoberta do traço da alta sensibilidade, ocorre essa escuta de si. O sofrimento é apaziguado e dá lugar a uma compreensão mais gentil da própria situação.

QUERO INFORMAÇÕES PARA ME INSCREVER NA FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE

    NÓS RETORNAMOS PARA VOCÊ




    A sensibilidade como fraqueza

    Essa ressignificação é especial para as pessoas altamente sensíveis (PAS), que costumam acreditar que são inadequadas, pois vivem numa cultura que ainda enxerga sensibilidade como fraqueza. Mas, por meio da fala, é dada a uma PAS a oportunidade de se conectar com as ideias que produzem os sintomas atuais.

    Como “sintomas”, podemos listar: vergonha de ser tão sensível, sentimento de desencaixe e a famosa timidez, citada no começo deste artigo.

    A elucidação pela fala: reeditando memórias

    Para Anna O., a criação desse espaço para falar livremente contribuiu positivamente para a sua melhora. Antes da elucidação pela fala, há uma espécie de nebulosidade que as PAS sentem até entenderem como a alta sensibilidade moldou boa parte de suas vivências.

    Reconhecer para modificar: é isso que uma PAS experimenta ao conversar sobre o traço da alta sensibilidade com alguém que também conseguiu reeditar suas memórias, seja essa pessoa psicanalista ou não.

    Ao imaginar uma sessão com uma PAS, penso que a cura pela fala dá poder à paciente, incentivando a libertação de ideias baseadas em eventos ligados ao passado. Essa reedição devolve às PAS tranquilidade.

    Conclusão

    Após lerem sobre alta sensibilidade e identificarem situações que ocorreram por conta desse traço de personalidade, muitas chegam a uma conclusão curiosa: “Ah, então não estou louca!”.

    Note que a “loucura” é associada às PAS quando estas não seguem as normas sociais vigentes. Elas sentem culpa por terem um cérebro que funciona diferente e se autointitulam “loucas”. Num mundo estimulante, as PAS podem sentir que não se enquadram.

    Porém, diante de uma psicanalista que saiba escutar, a reviravolta na autoestima de uma PAS pode ser notória, rumo à construção de uma psique saudável. Assim, a cura pela fala torna-se uma experiência poderosa para todas as pessoas que já ouviram que “sentem demais”, num mundo insensível à forma de ser delas.

    Referências

    ARON, Elaine N. Pessoas Altamente Sensíveis (PAS): Use a Sensibilidade a seu Favor. Tradução: Helena Luiz. São Paulo: Editora Gente, 2002.

    FOCHESATTO, Waleska Pessato Farenzena. A cura pela fala (The talking cure). Número 36, p. 165–172. Belo Horizonte: Estudos de Psicanálise, 2011.

    FREUD, Sigmund. Ensaios sobre a histeria (1893–1895). Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v.II. p.13-318.

    Este artigo foi escrito por Paty Cozer, escritora, pessoa altamente sensível (PAS) e psicanalista em constante formação. Licenciada em Letras, pós-graduada em Literatura e mestra em Estudos Feministas, vivendo em Florianópolis, ao lado de Sabrina, sua gata de estimação. Acompanhe meu trabalho no LinkedIn: https://linkedin.com/in/patycozer

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *