Neste material, desenvolveremos o conceito de transtornos alimentares pela visão da psicanálise. Esta abordagem é relevante para conhecermos os tipos de transtornos alimentares e como a psicanálise pode contribuir no tratamento.
Isso porque já se tem grupos e dados suficientes para concluirmos a eficácia dos tratamentos com psicanálise clínica.
Como objetivos, buscaremos neste trabalho:
Demonstrar os tipos de transtornos alimentares mais recorrentes.
Quais metodologias empregadas no auxílio ao tratamento, aspectos sobre a melhora dos pacientes e seus relatos.
Serão usados como base dados coletados de grupos especializados em tratamento psicanalítico de pessoas diagnosticadas e suas impressões de acordo com suas vivências e expertise.
Para atingir esses objetivos, a metodologia empregada foi de buscar grupos psicanalíticos de referência e que tenham seus trabalhos consolidados. Como guia será usado a consolidação de artigos escritos por grandes autores do setor, que colocaram suas reflexões e relatos, trazendo embasamento e trazendo para a realidade estudos teóricos dos transtornos alimentares.
Na 1 ª parte do trabalho, abordaremos o que é transtorno alimentar e os tipos de transtornos alimentares (como o transtorno alimentar da bulimia e o transtorno alimentar da anorexia).
Na 2 ª parte, focaremos em relatos de profissionais e suas impressões sobre os tipos de tratamento.
Na 3 ª parte, o material abordará o papel da psicanálise no tratamento, como, por exemplo, falta de apetite na psicologia.
1ª Parte – O que é transtorno alimentar e os principais tipos de transtornos alimentares
Os transtornos alimentares são doenças de origem psicológica e que trazem como consequência grandes complicações físicas. Isso acaba tornando estas doenças, como umas das mais incapacitantes dentre todas de cunho psicológico.
Causadora de muitas mortes, principalmente no cenário da anorexia nervosa, ela pode se agravar e trazer outros tipos de transtornos mentais em conjunto.
A imagem corporal é a percepção que cada pessoa adquire sobre a forma de seu corpo. Essa imagem é definida pela própria pessoa e também engloba os sentimentos que a pessoa desenvolve diante dessa percepção.
Tais sentimentos podem ser negativos, positivos ou uma mistura de ambos. Diante dessa imagem corporal, atuam:
- Fatores internos, que é a vontade própria
- Fatores externos, que são influencias ambientais, culturais, entre outros.
Quando a imagem corporal fica somente negativa, pode ser um fator de pré-disposição para um dos transtornos alimentares. Quando a pessoa está muito insatisfeita com a visão corporal pode recorrer para dietas, exercícios e remédios de forma indevida.
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Esses excessos acabam prejudicando a saúde no geral, assim como alterando cada vez mais a percepção real e provocando a distorção de imagem corporal. Na distorção já não se vê a realidade ou tudo isso é misturado com a fantasia. O corpo ou partes dele muitas vezes é visto maior que o normal.
Sempre em busca de padrões impostos pela sociedade, acham que existe o número de manequim ideal. Buscam o peso indicado por influenciadores digitais acreditando este ser o ideal. Sendo que este molde perfeito nunca existiu e nunca existirá.
O peso de cada pessoa depende de diversos fatores e por mais que ela queira jamais poderá se alterar para um molde determinado por outra pessoa sem sofrer. O corpo não é igual em todas as etapas da vida e passa por mudanças emocionais, hormonais e físicas que tenderão para modificar o seu formato.
E está tudo bem. Não somos obrigados a vestir manequim nenhum.
Muita gente sofre para manter um determinado padrão corporal e acaba passando por diversas consequências físicas e principalmente emocionais.
Em busca destes padrões, muitas vezes, a saúde é deixada de lado para que a imagem perfeita tome este lugar. Nessas loucuras se faz desafios, dietas restritivas, dietas sem nutrientes, excesso de exercícios.
A insatisfação cresce tanto que sair de casa incomoda, algumas atividades deixam de ser realizadas e isso domina os pensamentos de maneira desgastante. Nisso, a cada dia, as coisas se tornam mais difíceis e mais complicadas.
Na anorexia nervosa, por exemplo, é causada pela restrição na alimentação de maneira persistente, com objetivo de emagrecer. Dentro do quadro se percebe que as pessoas acometidas, possuem distorção de imagem corporal.
Já no transtorno alimentar da bulimia nervosa, a principal característica é a ingestão exagerada de alimentos, de qualquer origem, e o sentimento de arrependimento logo em sequência. Após as crises, a pessoa acometida sente um desejo de se punir, realizando quantidades exageradas de exercícios físicos e provocando o vomito como objetivo de eliminar os alimentos que foram ingeridos.
Também a compulsão alimentar acaba fazendo parte das mais encontradas nos tratamentos dos consultórios.
1.1 Quais os tipos de compulsão e como é vista pela psicanálise
A compulsão alimentar vista pela psicanálise parte de dois conceitos fundamentais: pulsão e repetição.
Na Pulsão o Freud forjou este conceito como aquilo que está na fronteira do corpo e da mente, dentro do aparelho psíquico. É uma espécie de exigência que o corpo faz para a mente com objetivo que ela trabalhe a seu favor.
O corpo de maneira intensa busca essa atenção e para isso berra, insiste, neste trabalho da mente. Nesta exigência da mente realiza uma ação pelo corpo, portanto ela não para. É uma repetição!
Todo ser humano tem a pulsão e este é uma espécie de preço pela mente estar atrelada ao corpo. A pulsão sempre tem um objeto que está diretamente relacionado com a nossa vida.
Sendo assim acaba, tendendo para algum campo em específico e os mais comuns são: alimentos, roupas, trabalho, jogos, etc. Este objeto funciona como uma espécie de areia aos olhos de quem tem esta compulsão e faz com que só existam olhos para ele.
Achamos que somente este objeto importa, tornado este o centro dos pensamentos e buscas diárias.
Já a Repetição, se pararmos para refletir, é uma insistência ignorante. Neste momento a razão também é ignorada.
No momento que a pessoa está acometida por uma crise, não quer fazer escolhas, ela ignora vertentes e não quer saber do que se trata, a teimosia impera.
Nossa subjetividade é atemporal. Elas não têm começo, meio e fim e os sintomas são misturados. Nestes momentos a psicanálise tem um papel fundamental na escuta e a fala auxilia a tratar aos poucos estes sintomas.
Por mais que haja uma sensação de necessidade de resolver a situação rapidamente – já que ela acaba envolvendo sofrimento além de mental – o físico não existe solução em curto tempo.
Não podem ser realizadas ações em busca de castigar-se após cada crise. Houve recentemente a divulgação na internet, principalmente nas redes sociais, uma técnica duvidosa, que ensinava as pessoas que no ato de comer alimentos em excesso, dar uma esticada de elástico no próprio punho, causando dor.
Este tipo de ação só traz um maior martírio para quem já está sofrendo com a situação e ainda não leva para progressos.
1.2 Compulsão alimentar tem cura?
A cura é complicada de conseguirmos prometer, apesar de muitas pessoas garantirem que estão com seus sintomas superados por anos. Conhecer as causas de cada pessoa e ficar atento aos sinais e sintomas antecedentes de crises faz com que o cenário vá se ajustando e a vida retomando seu curso normal.
Assim, o tratamento é essencial e acompanhamento faz toda a diferença.
2ª Parte – Uma compreensão psicanalítica diante do transtorno alimentar da anorexia nervosa
“Cabeça vazia, oficina do diabo.”
Ao perceber que a maioria dos pacientes pioram quando melhoram, muitos psicanalistas começaram a estudar os motivos que levam o quadro por este caminho. Diante da internação, intervenção urgente devido a um quadro grave de perda de peso e desnutrição, muitos pacientes chegam até o hospital sem perceber o problema em seus corpos.
Não se consideram magros o suficiente e, geralmente, tentam burlar os tratamentos com receio do ganho de peso.
Abandonar a perda de peso faz essas pessoas, com transtorno alimentar da anorexia, sentirem um grande vazio e falta de sentido em suas vidas. Por isso, buscam a todo custo terminarem o período de internação.
A partir do momento que podem voltar a controlar o seu peso, sentem acabam diminuindo as chances de depressão. Isso é contrário ao estudado na literatura médica, que relata melhoras dos quadros depressivos a partir do ganho de peso.
Surge o questionamento se estas pessoas sentem mesmo depressão ou a melancolia. Freud cita, no decorrer da sua obra, melancolia e depressão melancolia, muitas vezes como sinônimos.
3ª Parte – Papel da Psicanálise no tratamento dos tipos de transtornos alimentares
Quando o analista escuta o seu paciente, ele precisa focar a atenção em pontos importantes para a realização da interpretação de elementos essenciais ao tratamento do paciente com transtornos alimentares. Ao escutar, então, ele busca captar elementos inconscientes que a conversa pode revelar.
E a partir destes, fazer uma ligação entre situações ou sentimentos, fantasias e vontades que façam um elo entre o passado e acontecimentos do presente.
Os acontecimentos do passado também podem ser traduzidos pelo analista no momento da escuta, por isso, é importante não deixar de considerar. O pensamento consciente deve ser levado em consideração, não podendo ser descartado também.
Essas análises observadas devem ser comunicadas para o paciente de forma que ele possa utilizar de forma produtiva durante o processo de tratamento dos transtornos alimentares. É então, realizada uma compilação de tudo importante que veio á tona durante a escuta.
Essa escuta precisa ser muito dedicada para que detalhes importantes não passem despercebidos, porém a escuta é linear e flutuante. Isso faz com que, no final, o analista use para as interpretações apenas o que se lembrou, o que sua intuição guiou, assim como sua empatia, conhecimento teórico e experiências solucionadoras.
O analista precisa estar atento para identificar a resistência do paciente. A resistência pode estar sendo originada de diversos motivos e precisa ser trabalhada, também, como um elemento da sessão.
A resistência em si pode ser muito óbvia de ser notada, quando, por exemplo, há grandes minutos de silêncio absoluto – como uma espécie de travamento da fala. A fala do paciente pode esconder detalhes que identificam uma resistência ao expor determinados assuntos ou situações desconfortáveis.
Muito se fala sobre qual o papel do analista, ainda mais se observando atuando, diversos profissionais da área. O assunto qual o papel do psicanalista, do psicólogo, do psiquiatra e outros.
Acontece que há uma diferença radical na atuação destes profissionais, mas o que quero salientar aqui é o papel da psicanálise.
Ser psicanalista vai muito além do profissional apenas ficar ouvindo o que o paciente tem a dizer. É muito importante ter conhecimento e experiências suficientes para levar um atendimento com objetivos e soluções de melhoras.
Um profissional precisa sempre estar disposto a fazer análise, quando de trata de transtornos alimentares. Esse ponto é muito importante para que o psicanalista esteja realmente preparado para os atendimentos clínicos.
É importante lembrar que o sujeito sabe mais do que aquilo que diz. Ele se divide sempre entre o que diz e o que sabe. O saber inconsciente sempre estará ali e esse papel de trazer para o papel de fala é do analista bem preparado.
Deve ser feito o esclarecimento da resistência para o paciente, de forma que ele se conscientize do que está acontecendo. Dessa forma se trabalha o motivo que está levando para esta evitação. Verificar se ele sabe o que de fato está sendo evitado.
É comum que o paciente esteja tentando evitar alguma dor, emoção ruim, vergonha, depressão. Como tudo isso é difícil de falar abertamente, acontece sim esta resistência.
Nestas situações podem ocorrer os sinais físicos como:
- Suar;
- Esconder as mãos;
- Cobrir a face ou qualquer outro.
Isso pode ser correlacionado para determinadas características que podem definir doenças ou transtornos alimentares. Por todo momento, o analista precisa estar detectando os gestos e sensações que estão sendo transmitidas.
Quais sentimentos esta pessoa está tentando afastar? O que está pensando enquanto permanece silencioso?
A fala do analista deve ser simples, direta ser sem rodeios. Não é necessário usar termos difíceis ou que possam gerar variadas interpretações.
A pessoa tem que ouvir e rapidamente conseguir entender o que pode dizer sobre aquela pergunta ou comentário.
Em alguns casos o paciente já identifica e fica bem claro o motivo da resistência. O passo seguinte então é buscar no inconsciente o que precisa ainda ser interpretado.
Isso pode ser fantasias, impulsos e recordações guardadas de maneira escondida. Em alguns casos, se percebe o motivo da resistência e depois não sabe exatamente qual o motivo.
O objetivo do analista é descobrir algo que nem mesmo o paciente tem consciência. Seria como um segredo a ser desvendado.
Dentro do paciente existem certas recordações que atuam até os tempos atuais e sem que ele mesmo perceba. Mesmo quando ele quer revelar este segredo pode acontecer de seu consciente tentar esconder e isso precisa ser superado para que aconteça a sequência das atividades.
Todas as revelações feitas pelo paciente com transtornos alimentares precisam acontecer de maneira tranquila e sem forçar através de súplicas ou pedidos convincentes feitos pelo analista.
Já na transferência há uma atualização do período infantil no que se refere aos desejos. Isso acaba sendo transferido para o analista ao se identificar de modo a confundir com algum parente que teve alguma recordação da época infantil.
A identificação com o analista acaba gerando um laço afetivo intenso e isso pode ser relatado pelos mais diversos analistas que atuam na psicanálise clínica. A parte do passado do paciente é trazida para o momento da transferência e este é o momento que pode ser resolvida e tratada pelo analista.
Conclusão
Concluímos que os principais transtornos alimentares possuem uma forte ligação com a psique dos pacientes. Isso abre a possibilidade de visualizar os sintomas e suas evoluções pelo estudo adquirido na psicanálise clínica.
O desejo e pulsões aparecem na explicação sobre a compulsão, que pode também ser exteriorizada em outras repetições, além da alimentação. Como a anorexia nervosa se comporta e um dado alarmante, diante da melancolia observada após a internação dos pacientes.
Finalizamos com o papel ideal do analista ao ouvir e falar com os pacientes. Como deve se portar e prestar atenção para conseguir evoluções nos tratamentos.
Este material sobre Transtornos Alimentares: um guia sobre os principais transtornos e tratamentos foi escrito por Cláudia Jarola Muniz, concluinte do nosso Curso de Formação em Psicanálise Clínica.
Referências bibliográficas
WEINBERG, Cybelle. “CABEÇA VAZIA É OFICINA DO DIABO” – uma compreensão psicanalítica da depressão na Anorexia Nervosa.[Online]. Disponível em: <http://www.sedes.org.br/Departamentos/Formacao_Psicanalise/cabeca_vazia.htm >. Acesso em: nov. 2019.
FERNANDES H.M, Transtornos alimentares: anorexia e bulimia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.