Oscar Pfister

Oskar Pfister: biografia e cartas trocadas com Freud

Posted on Posted in Psicanálise

Oskar Pfister nasceu em Wiedikon, bairro suburbano de Zurique, nordeste da Suíça, no ano de 1873, em 23 de fevereiro. Oscar Pfister era caçula de um casal com quatro filhos, seu pai, Johannes Pfister, 1838- 1876, pastor reformado e sua mãe, Luise, 1843- 1918, pianista e de grande simplicidade.

Entendendo mais sobre Oscar Pfister

Como bem expressa Carlos Dominguez Morano (2008, p. 16): “[…] uma mulher simples, mas algo rigorosa e puritana na sua maneira de conceber a vida e, sobretudo, na educação religiosa de seus filhos.” De fato, um casal harmonioso e preocupado com o ser humano, tanto que Johannes sempre se apresentou como um pastor preocupado com seus paroquianos, principalmente com os enfermos e os financeiramente pobres (MORANO, 2008).

Com o grande alcance da difteria sobre as crianças, Johannes Pfister decidiu ampliar sua formação com a medicina, devido ao de fato de ter presenciado o falecimento de uma criança com difteria, no entanto, Johannes morreu precocemente, com isso, não abrangendo seu objetivo. “[…] não pode finalizar, uma vez que faleceu prematuramente, em grande parte por esgotamento devido à difícil tarefa que havia imposto sobre a si mesmo, ser ao mesmo tempo médico do corpo e pastor da alma” (MORANO, 2008, p. 16).

Quando o pai de Oskar Pfister faleceu, ele tinha 3 anos de idade. Com o óbito do pai, Luise, de origem pietista, e sua família foram morar numa instituição de cunho comunitário chamada de Irmãos Morávios de Königsfeld im Schwarzwald, na Floresta Negra de Baden (MORANO, 2008). O tempo de infância de Oskar Pfister foi constituído por eventos traumáticos, um está atrelado ao castigo de um colega de classe, onde o mesmo foi espancado brutalmente pela professora por ter adormecido na sala de aula. Consequentemente, ele morreu.

A autobiografia de Oscar Pfister

Na assertiva de Karin Hellen Kepler Wondracek (2011, p. 17): “Pfister segue o relato, contando da morte deste aluno, seu melhor amiguinho, poucos dias depois, e da vontade de expulsar a professora do velório.” A morte do pai, a do menino com difteria e a do colega foram a combustão para sua escolha profissional.

Segundo Freud, o inconsciente trabalha por condensação e deslocamento; pode-se dizer que Pfister condensa a agonia dos dois meninos- a difteria que fecha a garganta de um reaparece no sofrimento calado do outro. (WONDRACEK, 2005, p. 17).

Em sua autobiografia, escrita no ano de 1953, quando Pfister completava 80 anos, ele iniciou suas memórias apontando sua infância como “um dia de fevereiro úmido e nebuloso” (WONDRACEK, 2011). Tanto que os dias úmidos e nebulosos não haviam cessado. A viúva Pfister, morando na comunidade pietista, dá um sustento precário para os filhos com as aulas de música, além do forte sofrimento com o luto pelo marido (WONDRACEK, 2011).

A infância de Oscar

Uma mulher de fibra, corajosa com o cuidado dos filhos, contudo, por entre as aulas de piano e cuidados maternais, havia uma mulher com o rosto contornado pelas lágrimas diárias. “Sua infância foi definida por seu amigo psicanalista Hans Zulliger como “solitária e não exatamente feliz” (WONDRACEK, 2011, p. 17). De fato, o jovem Oskar Pfister teve muitas dificuldades e desafios como um infante em constante desamparo. “Pfister é acometido de meningite, seu estado se agrava a ponto de o médico dizer à mãe que sua morte seria preferível às sequelas que certamente permanecerão” (WONDRACEK, 2011, p. 18).

Com o passar dos dias, a saúde de Pfister foi melhorando e as ameaças foram sendo exauridas, mas a família Pfister foi acometida por uma grande perda: o falecimento do irmão anterior a Oskar Pfister (WONDRACEK, 2011). O outro irmão de Pfister tinha um sério problema nos pulmões devido ao clima e sua constante umidade. Com isso, Luise decidiu voltar para Wiedikon, nas proximidades de Zurique.

Estamos no ano de 1880, Pfister cursa o segundo ano primário com um professor que tem sua maior ferramenta na pedagogia do castigo em tons sádicos, para terror de alguns alunos e deleite de outros (WONDRACEK, 2011, p. 18). Com tais experiências marcantes, Pfister, mais tarde, se debruçou em estudos para compreender sobre o bizarro prazer entre professores e alunos com o sofrimento alheio, consoante seus aprofundamentos acerca do amor e do ódio.

Momentos traumáticos

No ano seguinte, passa para outra escola, em Zurique, e nas reminiscências associa o afeto com aprendizagem: Herr Kellemberg era um homem afetuoso e sabia como despertar o amor em seus alunos (WONDRACEK, 2011, p. 18).

Diante de tantos momentos traumáticos na vida de Oskar Pfister, silenciosos movimentos psíquicos foram moldando seu pensar, em outras palavras, o futuro preparava para Pfister uma dupla trajetória: ora um pastor apaixonado pelas deduções psicanalíticas; ora um psicanalista encantado pelo pastoreio das almas. Um episódio desperta sua veia crítica. O professor ensinara que se deveria orar em toda situação e exemplificara com um exame que prestara, no qual, após orar, fora dispensado da matéria não- estudada (WONDRACEK, 2011, p. 18).

Assim sendo, Pfister, ainda criança, tinha uma tarefa para ser feita da escola: decorar um poema, porém, ele não estudou o poema. Diante disso, o jovem Oskar ora em inflamada devoção, mas de nada adiantou, tanto que ele apresenta sua tristeza para o professor (WONDRACEK, 2011). O educador, em grande amor, oportunizou uma nova possibilidade para Pfister. Realmente o infante Pfister encontra uma espécie de lenitivo na atitude sensível do professor, ao mesmo tempo encontrou o encabeçamento para o seu pensamento crítico.

A área teológica

Pfister cresceu e ingressou para os estudos nas áreas teológicas, claro, a vocação de Oskar tinha uma forte identificação com o pai. Mais tarde, entrando em contato com a teologia crítica, ela entrou em choque com a educação pietista de Pfister. Ele continuou sua formação, isto é, complementou seus estudos teológicos com História da Arte, História da Filosofia e Ciências Sociais. Na sequência, o pastor iniciou seus estudos na área de Filosofia, em Zurique e Berlim.

Pfister estava decepcionado com a psicologia e teologia da época, ele cria que ambas as áreas estavam longe das reais preocupações da alma. Pfister concluiu seus estudos em Filosofia, tanto que a sua tese de doutorado foi a seguinte: filosofia da religião do teólogo suíço A. E. Biedermann, no ano de 1897. O aluno Oskar Pfister recebeu o “magna cum laude”, traduzindo: com grandes honras. Embora tendo um cabedal de conhecimento voltado para o empirismo e a criticidade, Pfister tinha em seus recônditos o pietismo e sua herança.

Não um pietismo sentimental e passivo, isto é, o pietismo de Pfister era ativo e com um profundo desejo de agir. Da mãe ele herdou o gosto pela música, Pfister aprendeu a tocar órgão e piano. Da música, o reverendo retirou os sulcos de uma experiência do desfrutar estético e ligações religiosas. O pastor via na música um caminho profícuo para o contato com os jovens.

QUERO INFORMAÇÕES PARA ME INSCREVER NA FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE

    NÓS RETORNAMOS PARA VOCÊ




    A cura de almas e Oscar Pfister

    No ano de 1897, o pastor luterano Pfister aceitou o ministério na comunidade de Wald, nas proximidades de Zurique. Ele estava entusiasmado com o pastorado, ele tinha um grande amor pela pregação. No ano de 1898, Pfister casa com Erika Wunderli e teve um filho, Robert Pfister, no de 1899, futuro médico e psiquiatra. No ano de 1902, ele e sua família foram morar em Zurique. Lá, Pfister exerce o pastorado na paróquia Prediger, até 1939. Como pontua Bruno Pinto de Albuquerque:

    A cura de almas e a pedagogia se entrelaçaram desde cedo no pastoreio de Pfister, mas ele logo percebe a ineficácia dos métodos tradicionais. Assim, em 1903 ele publicou o texto Die Unterlassungssünden der Theologie gegenüber der modernen Psychologie [Os pecados de omissão da teologia para com a psicologia], no qual se queixa deles (ALBUQUERQUE, 2017, p. 38).

    Pfister tinha várias críticas a respeito da teologia diante da psicologia do seu tempo. Já em 1906, ele escreveu acerca das grandes questões problemáticas da teologia e sua banalização da fé enquanto expressão viva no indivíduo, o Das Elend unserer wissenschaftlichen Glaubenslehre, a miséria da nossa doutrina científica da fé (WONDRACEK, 2011).

    Escritos de Pfister

    No ano seguinte, 1907, ele escreveu Die Reform unserer Ausbildung zum Pfarrer [A reforma da nossa educação para pastores], propondo reformas no ensino teológico, de modo a retirar a ênfase do plano teórico- dogmático e aproximá-lo do sofrimento humano, tarefa à qual ele próprio se dedicará numa cura de almas aberta à singularidade de cada pessoa (Wondracek, 2011, p. 23).

    Oskar tinha uma grande preocupação com a teologia do seu tempo, ou seja, ela era racional e não tinha uma preocupação com o ser humano enquanto sujeito constituído de emoção. “[…] Pfister em 1908 procurou supervisão junto ao psiquiatra Jung, assistindo com ele suas primeiras aulas sobre psicanálise, tornando-se membro da Sociedade de Zurique […]” (ALBUQUERQUE, 2017, p. 39). Pfister realizou sua análise com o cunhado de Jung, Franz Riklin (ALBUQUERQUE, 2017).

    Encorajado por Carl Gustav Jung, Oskar Pfister enviou para Freud, no ano de 1909 seu artigo intitulado: Wahnvorstellungen und Schülerselbstmord, Ideias delirantes e suicídio de alunos (ALBUQUERQUE, 2017). “[…] iniciando uma correspondência que não mobilizaria apenas cartas, mas também encaminhamentos de pacientes e trocas de livros e artigos, além de confidências pessoais” (ALBUQUERQUE, 2017, p. 39).

    Relação de Freud

    Freud veio a ser um ícone para Pfister, dos acordos e desacordos nasceu uma grande amizade. Freud já ouvira falar de Pfister por intermédio de Jung e responde calorosamente, expressando sua satisfação pelo fato da psicanálise “ter encontrado guarida” junto a um cura de almas […]” (WONDRACEK, 2011, p. 25).

    Da intimidade entre o pastor amoroso e o psicanalista pessimista são gerados os firmes passos de uma psicanálise com suas peculiaridades.

    Fé cristã e Psicanálise: Um diálogo

    De fato, para pensar acerca de um diálogo entre a fé cristã e psicanálise, as correspondências trocadas entre Freud e Pfister são o caminho. Na fala de Fabiano Veliq (2017, p. 94): “[…] entre os anos de 1909 e 1939, nas quais os dois amigos debatem, em clima às vezes amistoso, às vezes mais encalorado, temas pertinentes aos dois domínios”.

    Naturalmente houve sentimentos ambivalentes entre Freud e Pfister, o pai da psicanálise cria que a religião estaria alicerçada no relacionamento ambíguo entre o pai e o filho, procedente do Complexo de Édipo. Para mais, a religiosidade seria uma ilusão, onde o sujeito encontra um suporte para lidar com a realidade que o rodeia (VELIQ, 2017).

    Mesmo com um pensamento retido ao Iluminismo da sua época, Freud via a aproximação da psicanálise com outras áreas como algo positivo, melhor dizendo, era um crescimento para o conhecimento psicanalítico o avanço a outras esferas (VELIQ, 2017). No entanto, Freud sempre via com ressalvas essa aproximação da Psicanálise com outros meios por medo de que isso pudesse comprometer o futuro dessa ciência, por isso uma tentativa sempre muito veemente de definir o escopo psicanalítico.

    A visão de Freud

    Segundo Freud, “em termos terapêuticos, só posso invejá-lo quanto à possibilidade de sublimação em direção à Religião. Mas a beleza da Religião certamente não pertence à Psicanálise” (FREUD, 2009, carta de 09/10/1918) (VELIQ, 2017, p. 95). Freud cria veementemente na razão, somente ela poderia tornar o real palpável para o homem enquanto ser epistemológico. “O que Freud sempre faz questão de ressaltar é que a Psicanálise procura evidenciar como a Religião está ancorada em processos infantis, mas ao mesmo tempo mostrar que existem aspectos da Religião que não pertencem ao escopo da Psicanálise” (VELIQ, 2017, p. 95).

    Sendo assim, diante da visão racional de Freud, houve o olhar crítico de Oskar Pfister. O pastor via a psicanálise como um caminho que visa o mesmo objetivo da religião, ou seja, a cura de almas. Mesmo sendo por direções dessemelhantes, ambas as áreas visaram o cuidado com o ser humano. “[…] e daí não teme em afirmar de Freud que “jamais houve cristão melhor”, pois “quem vive para a verdade vive em Deus, e quem luta pela libertação do amor, segundo 1 João 4.16, permanece em Deus” (VELIQ, 2017, p. 95).

    Pfister sempre se mostrou franco, aberto e de pouco pudor com Sigmund Freud. “Pfister, como clérigo podia despertar em Freud certas “perigosas” representações paternas, este último, como mestre, mobilizava essas mesmas representações em Oskar Pfister, sem despertar nele, ao que tudo indica, qualquer tipo de resistências” (MORANO, 2008, p. 36). Pfister era órfão de pai desde os seus 3 anos de idade, ele não sentiu dificuldades em vincular-se com o pai da psicanálise, sem nenhuma dúvida, Pfister encontrou em Freud uma representação paterna.

    Críticas de Oscar Pfister

    Com tal intimidade, Pfister expressou suas críticas aos pensamentos freudianos. O assunto religião fica mais expressivo com o lançamento do livro O Futuro de uma Ilusão, em 1927 (VELIQ, 2017). Pouco antes do lançamento, Freud avisou Pfister, na verdade, Freud já teria escrito o livro bem antes, entretanto, ele não lançou o livro em respeito ao pastor Pfister. Passados 5 dias, o clérigo replica a Freud, como explicitam Ernst L. Freud e Heinrich Meng:

    No tocante à sua brochura contra a Religião, sua rejeição à Religião não me traz nada de novo. Eu a aguardo com alegre interesse. Um adversário de grande capacidade intelectual é mais útil à Religião que mil adeptos inúteis. Enfim, na Música, Filosofia e Religião eu sigo por caminhos diferentes dos do senhor. Não poderia imaginar que uma declaração pública sua me pudesse melindrar; sempre achei que cada um deve dizer sua opinião honesta de modo claro e audível. O senhor sempre foi paciente comigo, e eu não o seria com o seu ateísmo?

    Certamente o senhor também não vai levar a mal se eu oportunamente expressar com franqueza minha posição divergente. Por enquanto fico na posição de alegre aprendiz (PFISTER apud FREUD; MENG, 2009, p. 143).

    No ano de 1928, Oskar Pfister realizou um retorno a Sigmund Freud:

    “[…] um ano após o texto de Freud (O futuro de uma ilusão), na revista Imago, volume XIV, caderno 2/3, sob o título A ilusão de um futuro. O texto vem precedido de uma carta a Freud sob o título de “Honrável Professor!”, repleta de elogios a Freud” (VELIQ, 2017, p. 96).

    O material feito por Oskar Pfister foi uma reação aos ataques de Freud sobre a religião. “Já na carta que precede o texto, Pfister deixa clara a sua posição de como compreende a relação entre Psicanálise e Religião. Para ele, a Psicanálise é um magnífico instrumento de purificação da fé e pode contribuir para o amadurecimento e desenvolvimento da Religião” (VELIQ, 2017, p. 96).

    Pfister compreende as críticas de Freud como um combate da religião contra a religião, isto é, Pfister compreendeu os conceitos psicanalíticos e os dogmas religiosos como soldados que defendem um mesmo propósito: a luta contra o sofrimento, a busca da verdade, a libertação pelo amor (VELIQ, 2017). “Quem trabalha para aliviar os sofrimentos humanos trabalha em favor do reino de Deus, segundo ele” (VELIQ, 2017, p. 96).

    Oscar Pfister e religião

    O reino do Criador não está longe da psicanálise, ela é um altar do cuidado do ser humano. “[…] os propósitos de ambos os domínios, aproximando-os em nome da libertação dos sofrimentos humanos” (VELIQ, 2017, p. 96). O pastor luterano sempre almejou que as barreiras entre psicanálise e religião fossem derrubadas, que ambas pudessem estar unidas pela luta do fim do sofrimento humano.

    Com o trocar das cartas, Pfister centraliza seu posicionamento crítico diante de Freud com relação à sua posição a respeito do assunto religião (VELIQ, 2017). “[…] principalmente no conceito de ilusão utilizado por Freud. Pfister procurará dar um valor positivo ao conceito de ilusão, mostrando que ela pode coexistir com pensamentos adaptados à realidade” (VELIQ, 2017, p. 97). O psicanalista Pfister procurou, pensemos assim, dar outro entendimento sobre a ilusão. A ilusão, conforme Freud, é uma produção psíquica advinda do universo dos desejos.

    Para Pfister, a mesma pode ser um espaço de investimento racional. “O segundo aspecto abordado por Pfister é a Religião como obsessão neurótica defendida por Freud” (VELIQ, 2017, p. 97). Tal questão foi criticada por Pfister, embora ele tenha admitido analogias entre determinadas manifestações religiosas e obsessão neurótica. O clérigo explicou que a obsessão neurótica ocorre nas primeiras etapas do desdobramento religioso. “Segundo Pfister, “as obsessões são inconfundíveis em várias religiões primitivas, que ainda não conhecem nenhuma constituição eclesiástica, e também em todas as ortodoxias” (2003, p.21)” (PFISTER apud VELIQ, 2017, p. 97).

    Neuroses obsessivas

    Para Pfister, a estrutura religiosa não seria um composto de neuroses obsessivas, mas a religião seria um processo evolutivo, ou seja, conforme o seu desenvolvimento, os aspectos pueris seriam sendo superados. “Em uma religiosidade evoluída, o amor supera a culpa. Segundo Pfister, “creio que, pelo contrário, as mais sublimes elaborações religiosas justamente suspendem a obsessão” (2003, p.23)” (PFISTER apud VELIQ, 2017, p. 97).

    Tanto que a figura de Jesus Cristo é uma referência de triunfo sobre a neurose coletiva do seu povo (VELIQ, 2017). “[…] apresenta uma nova proposta religiosa não mais focada na culpa, mas no amor” (VELIQ, 2017, p. 97). Jesus foi uma referência que combateu o cerimonialismo da sua época, assim dizendo, o mandamento do amor de Jesus superou os construtos neuróticos que permeavam o psíquico da população.

    O peso da miscelânea da Lei foi retirado e a Lei do amor de Jesus imperou. “[…] o que leva a uma superação da representação de Deus determinada pelas fixações edipianas” (VELIQ, 2017, p. 98). Pfister apontou para um Deus livre dos sintomas do ódio edípico. “Contudo, enquanto a práxis analítica partir da redenção do amor desencaminhado, ela se aproxima do cristianismo” (PFISTER apud WONDRACEK, 2011, p. 84).

    Um emaranhado de desejos

    Oskar Pfister procurou aclarar que a religião não é apenas um emaranhado de desejos, um relacionamento com um Deus de cunho egóico, mas o clérigo apresentou um Criador feito a partir do imperativo do amor. O amor de Cristo irrompeu sobre a severidade da representação de um Deus punitivo. “Outro ponto da argumentação de Pfister vai contra a acusação de Freud de que a Religião seria oposta ao pensamento” (VELIQ, 2017, p. 100).

    Para Pfister, nunca existiu uma oposição entre o pensamento e o meio da teologia protestante. Tanto que o pastor luterano afirmou é que Bíblia também é passível de crítica, ou seja, um processo natural e saudável para o amadurecimento dos dogmas e sistemas religiosos. “Pfister não atribui à Religião uma função de polícia cultural como queria Freud. Segundo ele, “a Religião tem coisas mais importantes a fazer que proteger a mistura de sublimidades e atrocidades que hoje se chama cultura” (VELIQ, 2017, p. 100).

    A religião tem por objetivo maior de sensibilizar o ser humano, ela não é uma espécie de agente conservador e apático para com o homem, mas horizonte esperançoso para os seres humanos. “[…] guia e luz para a verdadeira cultura, retirando-nos da nossa cultura de aparências (2003, p.40)” (PFISTER apud VELIQ, 2017, p. 100).

    O novo messianismo

    A religião era tida por Pfister como uma salvadora, um caminho para uma mudança social total. A religião compromissa sua responsabilidade acerca do anúncio da vinda de Deus para humanizar o mundo. “Pfister critica a concepção de ciência como salvadora do mundo proposta por Freud, acusando-o de uma espécie de “novo messianismo”, em que o mais importante seria apenas uma troca de ilusão” (VELIQ, 2017, p. 101).

    A afirmação de Pfister destitui à pretensão de Freud. Ele teve um olhar cético sobre o entendimento de que os meios científicos poderiam aliviar todos os males humanos, isto é, que exista uma razão pura, capaz de destronar a Deus. Dado que toda ciência foi precedida pela metafísica, por elementos transcendentes. O clérigo, mesmo diante dos desenlaces com o médico pessimista, entendia o raciocínio freudiano, assim como a religião, como uma busca pelo amor e o cuidado com o ser humano. “[…] Freud, com sua concepção e obra de vida, está à frente de muitos cristãos frequentadores de igrejas” (PFISTER, 2003, p.56) […]” (PFISTER apud VELIQ, 2017, p. 102).

    O pastor e psicanalista, em seus escritos, sempre teve uma preocupação de cunho conciliatório entre as vertentes da psicanálise e da religião. Para ele, ambos os caminhos trilham para o formato do amor. Por fim, o ministro e psicanalista Oskar Pfister faleceu no dia 6 de agosto de 1956, em Zurique, Suíça, com 83 anos de idade.

    Finalizando sobre Oscar Pfister

    De fato, o relacionamento entre Pfister e Freud trouxe um choque entre dois universos: de um lado, a psicanálise, área empírica, baseada na investigação das experiências e dados culturais de um determinado sujeito; do outro a religião e suas estruturas dogmáticas e o anúncio de uma realidade transcendente, sensível.

    Tal caminhada exigiu de ambos um grande esforço intelectual e proativo. Permeada de discordâncias e reflexões acerca de ambas as áreas, entretanto, caminhos com um único objetivo: o exercício do amor. Um amor provindo das raízes racionais, epistemológicas; outro dos ensinos bíblicos, de um Messias salvador, mas é amor.

    As tensões produzidas entre o pastor e o médico ocasionaram um rico diálogo, consequentemente, uma confabulação não encerrada. Destarte, a promoção do relacionamento entre psicanálise e religião não pode cessar, digo, os ecos das falas acaloradas do pastor otimista e do psicanalista crítico precisam ser ouvidas pela Contemporaneidade. Pfister e Freud são construtores de subjetividade. Com o advento de uma Pós- Modernidade pragmática e líquida, onde as informações estão cada vez mais parcas e os relacionamentos instáveis, o diálogo deles surge como um arauto do desrecalcamento do amor. Psicanálise e religião como fontes de cuidado com o ser humano.

    Referâncias

    CHARCZUK, Artur. Oskar Pfister: trajetória do pastor e psicanalista. Psicanálise Clínica, 2021. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/oskar-pfister/. Acesso em 28 de abril de 2023.

    FREUD, Ernest L.; MENG, Heinrich. Cartas entre Freud e Pfister, 1909- 1939: Um diálogo entre a psicanálise e a fé cristã. Tradução: Karin Helen Kepler Wondracek e Ditmar Junge. 3° ed. Viçosa: Utimato, 2009.

    MORANO, Carlos Dominguez. Psicanálise e religião: um diálogo interminável Sigmund Freud e Oskar Pfister. 1° ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

    PINTO DE ALBUQUERQUE, Bruno. Sigmund Freud e Oskar Pfister: um diálogo sobre psicanálise e religião. 2017. 237 f. Trabalho de mestrado (dissertação) – pós- graduação em psicanálise, Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

    WONDRACEK, Karin Hellen Kepler. O amor e seus destinos, a contribuição de Oskar Pfister para o diálogo entre teologia e psicanálise. 2° ed. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2005.

    VELIQ, Fabiano. Oskar Pfister e a crítica à concepção freudiana de religião, 2017. Disponível em: https://periodicos.uff.br/fractal/article/view/5503. Acesso em 15 de maio de 2023.

    Este artigo foi escrito por Artur Charczuk (e-mail: [email protected]), pastor e psicanalista em São Leopoldo, RS.

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *