solidão

Quando a solidão não é apenas estar só

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É imprescindível, neste momento de reflexão, separarmos o estar sozinho e o sentimento de solidão, ou seja, o estar só e o sentir-se só, pois são situações completamente distintas. Mas, o que os distingue? Não estariam envolvidos numa mesma situação de vazio? Definitivamente a resposta é: Não!

“Solidão não é ter pessoas ao seu redor, e sim ser incapaz de expressar coisas que parecem importantes, ou de perceber certos pontos de vista que os outros acham inadmissíveis…” Carl Jung

Entendendo mais sobre a solidão

A solidão nos remete a um estado de subjetividade, de interiorização, enquanto o estar só a uma situação opcional, vivível e bastante objetiva, prazerosa, satisfatória e relaxante. O Isolar-se pode ser encarado como uma ação alternativa, uma expressão de querer estar só. Quantas vezes desejamos estar sozinhos, no apenas aproveitar o “eu comigo mesmo”, para pensar, meditar, estudar, ouvir nossa voz interior? Enquanto que a solidão é implacável, aterrorizante. Ela nos traz sentimentos angustiantes de abandono, desamparo e de muita tristeza. Separarmos o sentimento de solidão, da ideia de ‘estar só’ é compreendemos que a solidão não é, e nem nunca será um porto seguro para quem, apenas, quer sua privacidade respeitada.

Podemos, muitas vezes, estar sós sem que estejamos mergulhados na solidão, como também podemos nos sentir extremamente sós, quando, necessariamente, estamos rodeados por pessoas. Observamos este exemplo acima quando, em clínica, nosso paciente nos relata uma imensa carência de relacionamentos, mesmo estando com seus pares. Estes pares são vistos como indiferentes, ausentes e até mesmo estranhos a ele. Quando esta estranheza assume uma proporção de tamanha dor, eles se apresentam solitários, chagam ao nosso divã profundamente deprimidos, muitas vezes com pensamentos suicidas, desanimados por acreditarem que não merecem e por não serem capazes de encontrar alguém que os ame. Em um mundo com tantas opções e perspectivas, conseguimos observar que a solidão é uma experiência dominante em nosso século.

A dificuldade em estreitar vínculos está cada vez mais presente. Mesmo com tantos aplicativos sofisticados, nunca estivemos tão solitários e não é por uma questão de opção! A vida moderna deveria nos trazer maiores tecidos de laços sociais, mas parece-nos que ela nos afunda, cada dia mais, para um vazio indefinido. A tão famigerada dor da solidão está intimamente relacionada ao nosso mundo contemporâneo, aos diversos aspectos, sendo eles sociais ou culturais.

Solidão em pacientes

Inúmeras vezes escutamos, dos nossos pacientes que, mesmo rodeados por muitas pessoas, a solidão os acompanha. Alguns já chegam internalizados, outros, a solidão apresenta-se em forma de sintomas físicos e psíquicos agravados, principalmente, a partir de março de 2020, pelo próprio isolamento, por conta da pandemia, atingindo, assim, em cheio, aqueles que já sofriam, anteriormente, deste mal. Mas, o que seria então, etimologicamente, a palavra solidão? Vindo do latim solitudo, solidão é o estado de quem está só. Ausência de relações sociais; estado de quem se sente sozinho ou sente que perdeu o sentido de sua existência. Ou seja, estar em solidão é provar de uma dolorosa sensação de vazio e isolamento.

Este vazio e isolamento nos chegam, muitas vezes, em forma de questionamentos e incertezas no setting analítico ou terapêutico. A dor da solidão chega a beirar um imenso vazio existencial. Perguntas nos são feitas com uma exigência desesperadora por respostas às suas inquietações. Por não compreenderem se são ou não “normais”, por viverem com este sentimento de vazio, mesmo inseridos em condições aprazíveis, tendo uma família amorosa e, muitas vezes, sendo bem sucedidos em diversos âmbitos. A solidão somatiza. E esta somatização manifesta-se das mais variadas formas: dores de cabeça, acessos de raiva, mudanças no humor, pensamentos suicidas, baixa autoestima, problemas relacionais no ambiente de trabalho, sentimento de fracasso e impotência perante a situação. E a cada relato fica claro que a solidão descontrói o que há de mais genuíno no ser humano: a capacidade de acreditar.

A psicanálise não se debruça a estudar a solidão, propriamente dita, mas seria salutar, compreendermos que, para a mesma, a solidão tem um caráter polissêmico, ou seja, reúne vários significados, encarando-a como afeto inato e até mesmo, imprescindível ao processo de subjetivação dos sujeitos. Mas, em hipótese alguma, aqui, se apoia, como premissa o isolamento social, nem tão pouco que não devamos buscar alargar nossas teias de relacionamentos com a sociedade.

Solidão como uma forma de defesa

Enquanto a solidão marginaliza, e é considerada um mecanismo de defesa (é notório observarmos uma tendência para o recolhimento e fuga quando somos criticados, atacados, ameaçados, intimados e ridicularizados), a prática da psicanálise favorece, e muito, os vínculos sociais e afetivos auxiliando o indivíduo na sua dor, transformando e reconstruindo, na relação com o seu analista, maneiras de dominar a solidão. Esta prática favorecerá o analisando a sempre ir em busca de uma ressignificação; descobrindo e redescobrindo os motivos dos seus traumas e angústias, fortalecendo-se nas suas certezas e adquirindo sua maturidade psíquica, afastando-se das perdas, da angústia de separação do objeto, tornando-o consolidado em si e na relação com os seus pares, pois, segundo o psicanalista Donnald Winnicott (1958), a solidão seria um benefício que cada um tem a seu favor. Alguns autores por isso diferenciam solidão e solitude.

Para Winnicott, “a capacidade do indivíduo de ficar só (…) é um dos sinais mais importantes do amadurecimento do desenvolvimento emocional”. Em sua obra “A capacidade para estar só” nos traz que, ao longo das suas diferentes fases da vida e ao longo do seu caminhar maturacional em busca da sua individualidade a possibilidade do indivíduo adquirir uma capacidade de estar só, dependerá sobremaneira da presença de um ambiente suficientemente fortalecido para suportar que ele se diferencie, sem riscos de ruptura abrupta e solitária. Porém, sabemos que, esta capacidade só se torna possível a partir do momento em que a presença do objeto ausente já está internalizada em seu consciente.

Não devemos jamais esquecer que, sociologicamente falando, nossa constituição depende e se direciona para o outro. Vivemos, desde sempre, em bandos, em tribos, em sociedade tecendo, construindo e desconstruindo nossas redes. Dependemos dos nossos pares e cabe-nos estabelecer harmonicamente, da melhor maneira possível, uma relação saudável durante nosso processo de vivência. O mundo humano é, sem dúvida, o mundo das relações sociais e estas carregamos e estabelecemos enquanto vida tivermos. Se estas relações são desajustadas, na tênue infância, a capacidade de amar e de se relacionar estará seriamente comprometida, levando-as a um caminho de marginalização social e isolamento afetivo muito, por conta, de uma carapaça estabelecida por este indivíduo que vê no isolamento afetivo uma maneira de se proteger das dores da alma.

Conclusão

Para Melanie Klein (1996) “a negação da solidão, que com frequência é usada como uma defesa, provavelmente atrapalhará boas relações do objeto, em contraste com uma atitude, na qual a solidão é realmente vivenciada”. Faz-se necessário, então, que o indivíduo tenha a capacidade de reconhecer esta solidão e a propriedade que a mesma tem de impulsioná-lo a manutenção de relações objetais salutares, tanto externa, quanto internamente. E se, este processo não ocorrer por esta via, perceberemos que este paciente se utiliza de mecanismos defensivos ineficazes para proteger-se de tais sentimentos.

Estes mecanismos de defesa podem ser citados aqui como a dependência do outro para um preenchimento de vazio ou o oposto, que seria uma extrema independência deste outro, mostrando-se, a não permissividade de vê-lo em um estado de vulnerabilidade; a idealização e fixação no passado ou uma idealização no futuro para o não sofrimento do aqui e agora; a necessidade deste indivíduo de ser admirado pelo outro e uma busca constante por conquistas, para diminuir seu estado solitário e, por fim, a negação da solidão o que impede este paciente de encarar a realidade, ou seja, de entrar em contato com seus sentimentos reais para poder compreender quais são as suas verdadeiras necessidades.

É notório que este sentimento é visto de diversas óticas, sendo um sentimento real, e não simbólico e que se apresenta em diversos níveis para cada indivíduo. A cada passo que ele dá para o seu próprio autoconhecimento, estará aprendendo a ressignificar sua solidão, pautado na internalização de um objeto positivo e, só assim, conseguirá descontruir e transformar a solidão em um estado prazeroso do “estar só”, obtendo uma resposta significativa para sua angústia, sentindo-se livre e capacitado a encarar o outro como um ser amado e desejado e nunca necessitado.

O presente artigo sobre solidão e o ato de estar só foi escrito por FERNANDA ASSUNÇÃO GERMANO. Psicanalista, Homeopata, Socióloga, Pós-Graduada em Psicologia Clínica. Contato Instagram @lanimaterapiasintegrativas e site clinicalanima.com.br

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    4 thoughts on “Quando a solidão não é apenas estar só

    1. José Hilario Jesus da Hora disse:

      Necessito de Interagir em outros ambientes (acadêmicos, trabalho, academia, etc) e ser uma pessoa ativa e reconhecida, além da minha casa.

    2. Alaide Borges disse:

      Temos TDS essa necessidade, de estar só, e pode ser lindo, se você tiver em sua liberdade de fazê-lo.

    3. Mizael Carvalho disse:

      Muito bem elaborado! As pessoas que não se interage, têm muita dificuldades de se relacionar. Por esse motivo, geralmente vive só!

    4. Angela Sofia disse:

      Texto delicioso, muito obrigada, Fernanda Assunção Germano. Vou guardar para mim, que já tenho distribuído muitos.

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