o que é subjetividade, subjetivismo, subjetivação

O que é Subjetividade? Diferença para Subjetivismo e Subjetivação

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O presente trabalho visa a apresentar a constituição do sujeito da Psicanálise, tendo como referencial teórico os estudos sobre o que é subjetividade, subjetivismo e subjetivação em Freud e Lacan. O trabalho, em um primeiro momento, trata da estruturação do sujeito a partir de um desejo antecipado dos pais, que mapeiam o bebê, nomeando o seu corpo e instalando nesse sujeito os significantes. Ou seja, o Outro.

Analisa-se, também, o estádio do espelho como constituição do Eu e o significado de subjetivismo. Num segundo momento trabalha-se o complexo de Édipo e a castração na trama familiar.

Para definir resumidamente, antes de aprofundar  os detalhes sob o ponto de vista de Freud, Lacan e a Psicanálise, teríamos:

  • Significado de Subjetivismo: é uma tendência a ser subjetivo, é uma propensão a avaliar pessoas e coisas sob um perspectiva individual. Isto é, a verdade é construída pela ótica do indivíduo que vê, não do objeto que é visto. O foco aqui é reconhecer um hábito ou costume que uma pessoa pode ter mais do que outra.
  • Significado de Subjetividade: é reconhecer que qualquer pessoa tenha uma porção individual que a diferencia de outras pessoas. Veja que aqui o foco é reconhecer uma essência do sujeito como sendo passível de diferenciação em relação a outros sujeitos.
  • Significado de Subjetivação: é o processo de formação da subjetividade. Por exemplo, a vida social, a aquisição da linguagem, a escolarização, as escolhas filosóficas ou profissionais são exemplo de como a subjetivação vai consolidando uma subjetividade.

Enquanto o subjetivismo é um estado (uma “foto” atual), a subjetivação é o processo que conduz ao subjetivismo. O princípio que fundamental esta perspectiva de formação de sujeito é a ideia de sermos diferentes, de termos cada um sua subjetividade.

Este material foi elaborado a partir do trabalho de Leonardo Veroneze, concluinte do nosso Curso de Formação em Psicanálise Clínica. Se você deseja aprender Psicanálise de forma acessível, 100% online, com o mais completo material autoral em língua portuguesa, inscreva-se em nosso Curso de Formação. As matrículas estão abertas e o início é imediato.

 

Índice de conteúdos

  1. O primeiro capítulo trabalha a trajetória pela qual o sujeito passa para se subjetivar (ou seja, como ocorre a subjetivação). Inicia com os cuidados que a mãe tem com o filho nos primeiros momentos da vida e as consequências que podem advir dessa relação narcísica da mãe com a constituição do seu filho.
  2. O segundo capítulo trabalha o complexo de Édipo e a castração, temas que são apropriados por Freud e Lacan. Outros autores, como Dör (1990), Jerusalinski (1999) e Volnovich (1991) também são citados para explicar a constituição do sujeito da Psicanálise, cujos estudos detêm o seu foco na Psicanálise.
  3. Nas conclusões, veremos ideias sobre a via da neurose que, segundo Freud, é a via “normal”. Terminamos com um breve resumo das estruturas organizadas a partir do atravessamento ou não do Édipo, ou seja, da inscrição ou não do Nome do Pai: neurose, perversão e psicose.

O sujeito de que trata a Psicanálise é o sujeito da linguagem, sendo que tanto Freud quanto Lacan fundamentam que o sujeito só pode ser atravessado pela linguagem. Ele é um ser social que por subjetivismo e por meio de outro da mesma espécie que lhe transmite significantes.

A trajetória traçada por Freud e Lacan relaciona-se à subjetividade . Demonstrando, assim, a complexa fundação do sujeito, e como isso acontece na castração que antecede o complexo de Édipo.

Os objetivos propostos neste trabalho é tentar entender este sujeito que a Psicanálise nos coloca a defrontar todos os dias no trabalho clínico.

 

1. O que é Subjetividade na Constituição do sujeito da Psicanálise?

As questões que norteiam o presente estudo sobre o sujeito da Psicanálise surgiram a partir da leitura do texto “Acerca da inscrição da estrutura,” de Coriat (1997).

A necessidade de conhecer o processo de constituição do sujeito e sua subjetividade com o qual os psicólogos e psicanalistas se deparam por meio da escuta na transferência é o que alimenta esta investigação.

 

Nome-do-Pai

A inscrição do Nome-do-Pai (simbólico) permite a fundação do sujeito, assim como da sua neurose e perversão, na sua ausência de inscrição se constitui a psicose, mesmo que impulsionada pela subjetividade.

A questão “como se constitui o sujeito?” se colocou desde cedo no curso de Psicologia e orientou a acadêmica a cursar o caminho desta pesquisa. Para responder a tal questão o presente estudo se caracteriza como uma pesquisa bibliográfica, organizada em 2 capítulos.

 

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    Estruturação, inconsciente e subjetividade

    Parte-se da ideia de que o conceito de sujeito e do inconsciente seja a “pedra angular da Psicanálise”, sem a qual não se pode avançar na compreensão da estrutura do sujeito.

    Ressalta-se que sujeito é um conceito criado por Lacan a partir dos pressupostos de Freud, os quais permanecem como infraestrutura na teoria lacaniana.

    É importante, então, a partir de Freud e Lacan, conceber o processo de constituição do sujeito.

    Em seus estudos clínicos com as histéricas, Freud constatou que existia uma realidade muito particular (um subjetivismo), e que esta realidade se expressava por meio dos sintomas que apareciam no corpo de suas pacientes.

    Essa realidade, que ele denominou fantasias, instigou o rumo de suas investigações.

    Assim, por meio da “associação livre” da fala das pacientes, foi descobrindo que as fantasias eram construídas por experiências vividas na infância, e que diziam da verdade do sujeito. A escuta dessas verdades que as pacientes relatavam sem saber levou Freud a postular a existência do inconsciente.

     

    Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade

    Outra tese importante na obra freudiana, precisamente na Interpretação dos Sonhos (1900) e nos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905), é a significativa contribuição para se pensar a constituição do sujeito. Neste momento, descortina-se um conhecimento que até então não tomava a atenção dos adultos – a sexualidade.

    Ao pensar a sexualidade e sua importância, Freud concebe que a vida adulta se funde com o que foi vivido outrora, na primeira infância. A sexualidade, para o autor, liga-se ao infantil, entendido como o motor de nosso psiquismo.

    Freud ([1915] 2006, p. 177-178), ao trabalhar a noção de inconsciente (o subjetivismo), apresenta também a noção do aparelho psíquico. Afirma que:

    […] um ato psíquico passa por duas fases quanto a seu estado, entre as quais se interpõe uma espécie de teste (censura). Na primeira fase, o ato psíquico é inconsciente e pertence ao sistema Ics; se, no teste, for rejeitado pela censura, não terá permissão para passar à segunda fase; diz-se então que foi “reprimido”, devendo permanecer inconsciente. Se, porém, passar por esse teste, entrará na segunda fase e, subsequentemente, pertencerá ao segundo sistema, que chamaremos de sistema Cs.

     

    O inconsciente na formação da subjetividade

    Assim, o aparelho psíquico em Freud é constituído a partir de sistemas com características e lógicas diferenciadas, mas ao mesmo tempo articuladas.

    O inconsciente em Freud é um sistema com conteúdos recalcados, os quais são recusados pelo pré-consciente ao sofrer a ação do recalque. As representações psíquicas não suportadas pelo Ego (consciente) são recalcadas, passando então ao Id (inconsciente) e pelo crivo do superego (regulador moral).

    Para o autor, a personalidade é resultante da dinâmica dessas três instâncias psíquicas. Compõem-se, assim, as grandes teses que organizam e constituem o sujeito:

    • a noção de inconsciente;
    • a sexualidade como organizadora da vida psíquica, ou seja, a constituição de um corpo pulsional;
    • uma estrutura de linguagem.

     

    Construção psíquica da subjetividade

    A construção psíquica é um processo pelo qual o bebê humano precisa passar para que venha a se constituir enquanto sujeito. Freud ([1905], 2006) explica que o infans, ao nascer, por sua dependência, precisa do outro para lhe dar um lugar de existência e, para isso, é necessária a linguagem.

    A criança nasce como uma espécie de folha em branco, e para que nela se inscreva algo, é preciso que outro igual, da mesma espécie, o faça por meio de significantes (palavras audíveis e redigíveis). Esses significantes é que marcam o nascente.

    Ao retirar o seio, a mãe constrói a falta do objeto. O infans vai assim passando por uma subjetivação à medida do que experiência ao ser atravessado pelos significantes da mãe.

    Tendo um corpo biologicamente normal, vai estar propenso ao subjetivismo por meio das marcas deixadas pelo “Outro”. Essa falta inaugura o nascente pela marca que a mãe imprime em seu corpo.

     

    Pulsão como representante do biológico

    Para que se estruture um sujeito, a falta é necessária, pois o ato da provocação gera nesta criança a pulsão como representante do biológico, a qual só pode ser aliviada por meio do outro (objeto). É esse outro que pela repetição vai inscrever no filho o traço de memória.

    Desta forma, a mãe amamenta seu filho aplacando sua fome (mal-estar) e ao retirar o seio (satisfação) desperta no bebê uma tensão no sentido de desejar que esse outro (mãe) deseje suprir o que sempre vai faltar. A marca que fica pelo objeto faltante é o que desenha no inconsciente o objeto do desejo.

    A pulsão, assim, é a propulsora do desejo. Constitutivamente, o significante causador da falta vai estar sempre num lugar de objeto faltante no imaginário do bebê, enquanto o real do vazio lhe causa o desejo.

    No início existe um Outro, a mãe, e o desejo desta de suprir o bebê das suas necessidades de sobrevivência. É no suprir que o infans constrói a demanda. A demanda é um pedido recíproco tanto do filho à mãe quanto da mãe ao filho.

    A demanda é apresentada assim como um atrelamento, pois o nascente projeta todos os seus desejos na mãe e pretende que ela os realize.

     

    O desejo e a subjetividade, por Lacan

    Para Lacan (1999, p. 96) o desejo é:

    […] uma defasagem essencial em relação a tudo o que é, pura e simplesmente, da ordem da direção imaginária da necessidade – necessidade que a demanda introduz numa ordem outra, a ordem simbólica, com tudo o que ela pode introduzir aqui de perturbações.

    Para o autor, a demanda desperta o desejo de que o filho seja aquilo que supõe a mãe desejar. Nessa unicidade regida pelo desejo ela permite que o filho, em um primeiro momento, esteja atrelado a ela como um só corpo.

    Nesse laço libidinal entre mãe e bebê são inauguradas as zonas erógenas do filho, definidas no manuseio das partes do seu corpo pela mãe. Por intermédio do toque e da fala que a mãe dirige a esse que chora (subjetividade), respondendo ao filho, ela supõe saber a razão do seu choro.

    Possuidora desse saber, a mãe investe no corpo carne, mapeando uma zona erógena no corpo do filho e o amarrando a significantes. Ou seja, a mãe, como Outro de linguagem, vai significando um corpo e, ao mesmo tempo, o nomeando, dando um lugar a este pequeno ser no discurso.

     

    Fase autoerótica

    A mãe amamenta o filho, suprindo sua fome e ao mesmo tempo instalando nele o prazer. Isso significa pôr em movimento seus orifícios pulsionais, ou seja, provocar a erotização do corpo numa antecipação de que aí se trata de um sujeito.

    Ela oportuniza ao bebê o início da constituição psíquica. Essa constituição só é possível quando o infans passa a investir em outro objeto que não só o seio materno, elegendo uma parte de seu corpo ou qualquer outra coisa que lhe proporcione prazer.

    Esta fase é denominada por Freud ([1905], 2006), como autoerótica.

    No chuchar o dedo, o ato de exercer a sucção confirma que aboca foi mapeada pela mãe como a primeira “zona erógena” (FREUD [1905], 2006, p. 172), a partir da qual passou a alimentar o filho e por meio da qual a criança desencadeia o processo da sexualidade. O chupar não só sacia sua fome, mas também lhe proporciona prazer.

    Ao sugar o seio ou qualquer outro objeto que o nascente elege como fonte de satisfação, o ato vai lhe provocar um desejo de subjetivismo de repetição. Essa fase, que também se denomina “canibalesca”, é a primeira na organização sexual infantil, e consiste em renunciar o “objeto alheio em troca de um objeto situado no próprio corpo” (FREUD [1905], 2006, p. 187).

     

    A repetição é mecanismo de subjetivação

    Esse ato prazer pela repetição, esvaziando a pulsão, e ao mesmo tempo oportuniza ao bebê o início da constituição psíquica.

    A pulsão é sempre relacional porque a excitação corporal, que provoca mal-estar, só pode ser aliviada através do “outro”, que é capaz de nomear a fonte, direcionar a força pulsional em direção ao objeto. Neste sentido, a estruturação psíquica de um bebê só se dá a partir de um determinado momento, ao ser inscrito pelo desejo da mãe, pela linguagem.

    Assim, a mãe oferece a essa criança a oportunidade de existir, ou seja, de ser sujeito.

    Neste sentido, a sexualidade infantil pode explicar a origem de certos fenômenos importantes que dependem da vida sexual.

    Freud ([1905], 2006) considera a infância de cada um como uma espécie de época pré-histórica que, no entanto, não constitui um período estanque, pois está propenso a ter vazamentos como ocorre com a pulsão. Pode-se entender que esse vazamento, de certa forma, faz parte do processo da constituição do sujeito.

     

    A constituição do sujeito, por  Jerusalinsky

    Aquilo que repetimos é aquilo que somos. Há de se notar que nem sempre a repetição é consciente. Desejos, hábitos, pensamentos e medos inconscientes só se tornam inconscientes pela repetição.

    Mesmo que o fato traumático, por exemplo, tenha ocorrido apenas uma vez, a mente retorna a este evento, em um processo de repetição ou retorno, que, quando inconsciente, é ignorado pela mente atenta do indivíduo.

    Jerusalinsky (2009, p. 9) refere que:

    A constituição do sujeito exige a inscrição de diferentes momentos lógicos que não estão garantidos pela passagem do tempo, por uma simples cronologia. No entanto, continua sendo necessária uma diacronia para que se precipitem os efeitos de inscrição que constituirão o sujeito psíquico. É preciso o transcurso de um tempo para que as inscrições que nele se precipitaram possam ser por ele postas à prova por meio de uma experiência que o implique subjetivamente.

    Segundo a autora, existe um tempo para que o infans possa construir-se por meio do outro e assim vir a fazer parte da história familiar. Esse tempo, tanto para a mãe quanto para o bebê, é dotado de subjetividade, mas contínuo e circundante, além de antecedido pelo tempo do desejo.

    A mãe nomeia o filho, antes mesmo de este nascer, a partir de seu desejo. Esse desejo que a move é quase mágico.

    A mãe, ao mesmo tempo em que se apresenta ao bebê como o objeto de seu desejo, vai investindo e estruturando-o através de seus cuidados. Assim, permitindo-lhe bem-estar e sobrevivência.

     

    A presença e a ausência na formação da subjetividade

    Para a dimensão psíquica ser constituída, é necessário, portanto, que na relação mãe e filho se inscreva algo como falta. Entre a presença e a ausência a mãe abrirá um intervalo no qual a falta se coloca, tanto do lado da criança quanto da mãe.

    É, então, pela demanda de amor, ou seja, pela falta, que a mãe, aplacando o mal-estar sentido pelo nascente pela fome, registra neste uma marca. A partir dessa ocorre o registro de imagens mnêmicas, associadas umas às outras, que vão formar os traços mnêmicos, os traços de memória (Erinnerzeichen).

    Percebe-se que o ser humano precisa do Outro para se constituir como sujeito. Diante dos estímulos endógenos do bebê é preciso um Outro (mesmo que sob a luz da subjetividade ) encarnado que atribua intenção de comunicação ao seu grito e, por meio de uma interpretação, produza uma ação específica capaz de satisfazê-lo.

    Se há interpretação é porque já há linguagem ali. Mas é evidente que a linguagem não se inscreve por si. Não basta colocar um bebê na frente do rádio ou da televisão.

     

    O gozo no processo de subjetivação

    Para que o gozo do bebê se atrele ao Outro, como instância da linguagem, é preciso um endereçamento. É preciso um Outro que, ao tomar o bebê desde um desejo não anônimo e a partir do saber simbólico e do subjetividade que a linguagem lhe permitiu constituir, opere corte e costura do funcionamento corporal do bebê.

    E isso, levando-se em conta o que o afeta e fazendo borda a seu gozo.

    Se isto atrela o bebê ao campo do Outro, para que ele possa chegar a situar-se na condição de falante, e não como um mero repetidor ecolálico do que lhe é dito. Mas, sim, será preciso que esse desejo não anônimo opere no laço mãe-bebê enquanto um enigma diante do qual, para a mãe, o bebê se situa como sujeito que supostamente deteria um saber.  (JERUSALINSKY, 2009, p. 68).

    Para a autora, por meio da fala a mãe vai marcar o corpo do nascente, e essas marcas deixadas pelo outro vão imprimir os significantes, unindo linguagem e corpo. Como consequência, despertará o desejo no nascente e o subjetivismo.

    É o desejo que o outro demanda ao bebê que permite a este passar de carne e osso a um sujeito.

     

    A espécie humana é subjetiva por natureza

    Elia (2004, p. 39) explica que:

    […] o sujeito só pode se constituir em um ser que, pertencente à espécie humana, tem a vicissitude obrigatória e não eventual de entrar em uma ordem social a partir da família ou de seus substitutos sociais e jurídicos […]. Sem isso ele não só não se tornará humano […] como tampouco se manterá vivo: sem a ordem familiar e social, o ser da espécie humana morrerá.

    Esse sujeito de que trata a Psicanálise só pode ser pertencente à espécie humana. Não basta, no entanto, ter um corpo carne para ser sujeito; é preciso que esteja aos cuidados de outro da mesma espécie e inserido em uma organização familiar e social.

    Depende, necessariamente, da significação do Outro e da subjetividade, e é esse outro que apresenta o mundo ao nascente.

    “A essa condição Freud deu o nome de desamparo fundamental (Hilflosigkeit) do ser humano […]” (ELIA, 2004, p. 39).

    O bebê humano nasce carente de todos os cuidados, e para que venha a alcançar o subjetivismo, precisa de alguém que o suporte tanto física quanto psiquicamente, através de inscrições de certas operações. As operações psíquicas são consideradas mecanismo pelo qual a pulsão determina descarga da excitação.

     

    O princípio de inércia, por Jerusalinsky

    Jerusalinsky (2009, p. 57) refere que:

    Trata-se de um aparelho psíquico guiado pelo princípio de inércia, ou homeostase, no qual o objetivo é manter-se livre de estímulos, por meio de uma fuga ou, quando estes são inevitáveis, tal como ocorre com os estímulos endógenos, por meio da descarga da energia que eles acarretam. Uma das principais características desse aparelho é a memória, ou seja, a capacidade de ser permanentemente modificado por ocorrências únicas e, ao mesmo tempo, manter a receptividade a novas percepções. Para dar conta dessa questão Freud concebe, nesse aparelho, neurônios diferenciados: os Fi como permanentemente permeáveis à excitação que a percepção produz no aparelho, mas incapazes de reter o registro da memória; e os Psique fazem oposição ou barreiras de contato à excitação e que ficam permanentemente alterados após sua passagem, permitindo assim uma possibilidade de representar a memória”;

    O sistema psíquico grava como significantes certas experiências vividas, num processo de formação da memória. Como explica Jerusalinsky (2009, p. 57):

    “Nesse aparelho psíquico alguns estímulos são passíveis de se tornarem inscrições de memória que se alinhavam umas às outras, formando vias de facilitação – que correspondem ao percurso percorrido, ao rastro deixado pela passagem da energia psíquica produzida nesse aparelho a partir de uma experiência anterior, levando a facilitar a circulação da energia nesse aparelho por uma determinada via já traçada. A memória liga-se, desse modo, à tendência, à repetição, levando a percorrer um caminho psíquico já sulcado. Tem-se, assim, um aparelho psíquico que, por um lado permanece aberto a novas inscrições e, por outro, funciona por uma tendência à repetição”.

     

    O sistema de signos e a subjetividade

    Assim, o que é vivido pela mãe e pelo filho opera registros simbólicos e de subjetividade – marcas deixadas pelo significante no corpo do filho, as quais:

    […] no sistema de signos de percepção vai ficando inscrito somente o que chegou a ser diferenciado em função do valor que adquire para o organismo. As marcas se estabelecem uma a uma, segundo o aparelho perceptivo que as registre. (CORIAT, 1997, p. 282).

    Coriat (1997, p. 281), que trabalha também a questão da estruturação da criança, faz uma leitura que concorda com Jerusalinsky (2009). Para a autora, o que o bebê recebe pela percepção é o que vai marcá-lo, pois esse é “carente de todo o traço”:

    […] o outro que se encarrega do infans é decisivo no que ficará marcado, já que dele depende a apresentação do objeto […] a libidinação do objeto começa do lado do adulto, na própria escolha dos objetos a oferecer desde os significantes inconscientes daquele que estiver exercendo, o que Winnicott chama função materna. (CORIAT, 1997, p. 283).

     

    Prazer ou desprazer sob o ponto de vista subjetivo

    É a partir da linguagem e do subjetividade da forma como a mãe fala, que o nascente põe em cena não a palavra em si. Mas, o significado que ele dá a esta ao vivenciar prazer ou desprazer.

    A mãe marca o filho simbolicamente pelo tom da sua voz ao perguntar e responder, ao supor a necessidade do filho.

    Assim, como na valsa um primeiro passo dá o ritmo da dança ao bailarino, a mãe ao doar seu peito ao nascente que chora ensaia o desejo de suprir a falta do filho. No vai e vem da falta e da satisfação, a repetição marca os buracos que a mãe inaugura no corpo da criança.

    A criança, por sua vez, convoca a mãe a preenchê-los. Esses buracos são as portas que vão marcar o simbólico, e que permitem ao ser “bruto” demarcar as bordas do objeto de gozo.

     

    Demandas a partir do subjetivismo

    A criança goza da posição em que a mãe a coloca e passa a demandar. A demanda do nascente é por atenção e por cuidados relevados a partir do subjetivismo, supondo a satisfação e o bem-estar: esta trajetória pela qual passa a criança é uma problemática necessária, pois é constituinte.

    Uma vez internalizada, vai marcar toda a vida no desejo e na busca de um objeto que vai tampar o buraco da angústia que a mãe, pela falta, desenhou (um subjetivismo). A criança, para se dar como completa, vai buscar novo objeto para substituir aquele primeiro.

    Com seu saber, a mãe investe e inscreve no corpo carne deste ser bruto, fazendo mapeamento por meio de seus significantes e de sua subjetividade.

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    O significante descortina ao infans a satisfação de poder gozar. A estruturação psíquica de um bebê só se dá a partir do momento em que é inscrito pelo desejo da mãe na linguagem.

    A mãe oferece a essa criança a oportunidade de existir, possibilitando-lhe ser sujeito.

    Este outro (mãe), pelos seus cuidados e providências, vai permitir ao filho metaforizar sua realidade, fundando pelo seu discurso, o “Outro” simbólico no nascente.

     

    Processo constitutivo da subjetivação

    Este é emergencial no que tange à realidade psíquica no processo constitutivo, processo que só se configura a partir da libidinação por parte do adulto, que costura a borda do objeto.

    Essa borda, marcada pela mãe ou por quem faça a sua função, é que constrói o sujeito em suas representações, do que é vivido por ele na relação com a mãe e com o meio e com tudo que é subjetivismo.

    Na Interpretação dos Sonhos Freud ([1900], 2006) elucida a existência de algo que é vivido e recalcado, e que se pode compreender a partir desse processo do inconsciente, de que as formações desse é que eram responsáveis nas significações do sujeito em constituição.

    Lacan (1999, p. 195) afirma que “[…] não há sujeito se não houver um significante que o funde”.

    É pela via da simbolização e do subjetivismo que ele explica a subjetivação do sujeito. O autor, tomando o exemplo de Freud sobre o jogo da criança do carretel, afirma: “É na medida em que existem as primeiras simbolizações, constituídas pelo par significante do Fort-Da, que o primeiro sujeito é a mãe”.

    Nesse sentido, é o que a princípio acomete a criança na sua realidade, mas isso não significa que ela não possa transformar e no poder brincar ao atirar o carretel possa significar a falta. Esse momento de assujeitamento em que ainda está na dependência da mãe se transforma.

     

    O prazer e a falta

    Ao se dar conta de que onde reinava o prazer agora se encontra a falta, é por essa articulação movida pelo desejo do Outro que vai buscar algo para voltar a sentir prazer. O ato de puxar o carretel pode ser ativo e, com essa intenção (demanda), ao ser atravessada por significantes, vai poder se deslocar do objeto materno.

    Para Coriat (1997), é nessa experiência que o infans vai construir as diferenças entre o “eu” e o “outro” a partir dos significantes e da subjetividade já marcados em seu corpo. O infans encontra outra forma de sentir prazer, é o momento em que a criança pode ressignificar, trocar o objeto.

    E, finalmente, “para se constituir no ato da palavra, são necessários pelo menos dois significantes para poder combiná-los, deslizar, e remetê-lo um ao outro (função metonímica)”.  (VOLNOVICH, 1991, p. 28)

     

    A inscrição do Nome-do-Pai

    De tal modo, sem dúvida alguma, o jogo do fort-da – descrito por Freud – dá a ilustração mais explícita da realização da metáfora do Nome-do-Pai no processo de acesso ao simbólico de uma criança. Ou seja, o controle simbólico do objeto perdido. (DÖR, 1990, p. 89)

    Quando a criança tem o objeto representado pela linguagem (subjetividade), ela pode substituir o objeto. E neste vai e vem do “Fort-Da (Do, Aa) o brincar da criança com o carretel”, segundo Freud ([1920], 2006), em Mais Além do Princípio do Prazer, ela passa a trabalhar essa estrutura em uma busca que lhe permite sair da passividade, reconhecer a ausência ao distanciar-se do objeto e elaborar a falta pela significação internalizada imaginariamente do real.

    O movimento de lançar o objeto e o trazer para perto de si vai marcar a criança fora do corpo da mãe, por isso, o importante não é que a criança diga as palavras FortIDa, o que, na sua língua materna, é LongeIAqui – ela as pronuncia aliás de maneira aproximativa. É que há aí, desde a origem, uma primeira manifestação da linguagem. (LACAN, 1994, p. 200)

     

    O espaço da falta e a subjetividade

    Nessa oposição fonemática, a criança transcende, introduz num plano simbólico o fenômeno da presença e da ausência. Torna-se mestre da coisa, na medida em que, justamente, destrói. (LACAN, 1994, p. 200)

    Neste sentido, para Lacan, não é a palavra que a criança balbucia que importa e sim o que simboliza o espaço da falta. Um sentimento outrora desprazeroso pode ser transformado em algo prazeroso no sentir da criança.

    De fato, a criança transformou a situação, posto que de agora em diante é ela que abandona sua mãe simbolicamente. A inversão simbólica operada é a justificativa mais evidente da atualização de um processo de controle: a criança fez-se mestre da ausência graças a uma identificação.

    Era a mãe que a repelia ausentar-se; agora é ela que repele a mãe ao arremessar o carretel. Daí a jubilação intensa da criança ao descobrir seu controle a ausência do objeto perdido (a mãe). (DÖR, 1990, p. 89)

     

    A mãe como o “outro”

    Dör (1990) reconhece que a criança elabora a falta com o brincar do vai e vem, do estar e não estar, mas pode retornar, passando a ativo desejante. Já reconhece que a mãe é o outro que não ele:

    “Ocorre que nesta criança o Outro operou uma separação que o distanciou de seu corpo real […]. Neste corte, seu corpo passou a residir como imagem. (JERUSALINSKY, 1999, p. 27)

    Assim, as marcas que este ser total, a “mãe”, imprime no filho cedem lugar a outro na relação. Esse outro “é quem assegura na criança a função simbólica da palavra. Sem substituição do desejo da mãe pela palavra do pai (metáfora paterna).

    Em VOLNOVICH, 1991, p. 35, a criança não entra no simbólico nem na cultura. O que lhe possibilita entrar é a castração. A marca que permite ao filho sair de uma posição narcísica e se reconhecer como ser faltante.

     

    O outro e o sujeito da Psicanálise

    Retornando ao sujeito e ao Outro, estes termos não pertencem a Freud, eles expressam concepções de Lacan. São as teorias de Lacan que explicam a constituição do sujeito da Psicanálise, o qual é atravessado por um significante no campo da linguagem.

    Ao analisar as concepções lacanianas, Elia (2004, p. 36) refere que, para a Psicanálise, sobretudo a partir da reelaboração que Lacan empreendeu dos textos freudianos, o sujeito só pode ser concebido a partir do campo da linguagem.

    Embora Freud não se refira explicitamente a isso, todas as suas elaborações teóricas sobre o inconsciente e o subjetivismo – nome que delimita o campo primordial da experiência psicanalítica do sujeito – o estruturam como sistema quer de representações (Vorstellungen), de traços de memória (Erinnerzeichen), de signos de percepção (Wahrnehmungszeichen), que se organizam em condensação e deslocamento.

    Ora, uma teoria como essa exige, metodologicamente, a referência a uma ordem simbólica, a um sistema de articulação de elementos materiais simbólicos, ou seja, à linguagem.

     

    A constituição do Eu: linguagem e subjetividade

    Para Elia (2004), Lacan reelabora a questão da constituição do Eu (inconsciente) em Freud e enfatiza que o eu é o sujeito da linguagem. E é por esta linguagem que pode ser representado mediante as representações nos traços de memória, de signos de percepção e da subjetividade.

    Estes se organizam não na linguagem como função e sim como estrutura. Segundo Dör (1989, p. 35), “a metáfora e a metonímia nos conduzem, igualmente, à ideia fundamental de Lacan da supremacia do significante e a suas consequencias com relação às formações do inconsciente”.

    É nesse sentido que a linguagem adentra no corpo para significar algo no inconsciente ao ponto de supor ao recém-nascido entrar na metáfora e, a partir disso, simbolizar. Assim, a fala da mãe, cuja marca é deixada por ela, é primordial na vida psíquica do sujeito, uma vez que constrói o desejo por meio da linguagem e da subjetividade.

     

    O imaginário, o simbólico e o real

    Lacan (1994, p. 89) explica que sem o “imaginário, o simbólico e o real” não é possível compreender a teoria freudiana. Na sua concepção, o simbólico é linguagem.

    Quer dizer que, na relação do imaginário e do real, e na constituição do mundo tal como ela resulta disso, tudo depende da situação do sujeito. E a situação do sujeito […] é essencialmente caracterizada pelo seu lugar no mundo simbólico, ou, em outros termos, no mundo da palavra. (LACAN, 1994, p. 97)

    Segundo o autor, é a relação do sujeito com o mundo da linguagem que permite a este entrar no simbólico. O nascimento do sujeito é a mais pura relação do nada. Dito de outro modo, nada está ali a não ser um amontoado de células em um pedaço de carne.

    A palavra e o desejo mediados pelo outro é que fundam o sujeito. O suposto sujeito para Lacan é aquele que ainda não foi marcado pelos significantes e que, ao ser tocado pelo discurso do outro, desperta a pulsão.

     

    A posição objetal

    Ao libidinar o corpo, a mãe permite ao recém-nascido se colocar numa posição objetal. A mãe e o bebê entram numa relação narcísica de subjetivismo – em que um está para o outro no desejo de completude, cujo desejo move o filho às primeiras operações ou sistemas psíquicos.

    O desejo é, no sujeito humano, realizado no outro, pelo outro – no outro, como vocês dizem. Está aí o segundo tempo, o tempo especular, o momento em que o sujeito integrou a forma do eu.

    Mas só pôde integrá-la após um primeiro jogo de báscula em que trocou justamente o seu eu por esse desejo que vê no outro. Desde então, o desejo do outro, que é o desejo do homem, entra na mediatização da linguagem.

     

    O subjetividade do eu e do tu

    É no outro, pelo outro, que o desejo é nomeado. Entra na relação de subjetividade do eu e do tu, numa relação de reconhecimento recíproco e de transcendência, na ordem de uma lei já inteiramente pronta para incluir a história de cada indivíduo. (LACAN, 1994, p. 206)

    No entendimento do autor, na dialética do corpo ao ser atravessado pela linguagem, funda-se o sujeito no desejo. Assim, a trama constitui-se numa relação especular, e essa relação é constitutiva na formação do inconsciente e da subjetividade, a “metáfora do espelho”.

    É a partir da problemática do real, do simbólico e do imaginário que se vai esclarecer como a teoria do estádio do espelho subjetiva. O “processo da sua maturação fisiológica permite ao sujeito, num dado momento da sua história, integrar efetivamente suas funções motoras, e aceder a um domínio real do seu corpo”. (LACAN [1949], 1998, p. 96).

     

    A linguagem e o campo real

    Para o autor, é necessário que a palavra, a linguagem, ultrapasse o campo do real. E que inscreva no corpo carne desse suposto sujeito os significantes que venham nomeá-lo como sujeito, por meio do que ele vive e internaliza como um traço na memória.

    E é pelo sulco, fenda ou rastro de memória que, pela repetição, vai se significando o sujeito.

    Para Lacan ([1949], 1998) existem 2 momentos na constituição do sujeito no estádio do espelho.

    O primeiro momento é o de alienação recíproca quando o bebê é uno com a mãe.

    O segundo momento é o de separação, quando é necessário que o mesmo bebê se veja separado do corpo da mãe e se movimente para outra coisa, elegendo outro objeto de satisfação.

     

    Metáfora do espelho

    Nesse processo é necessário que o filho se desloque do corpo da mãe e passe a se reconhecer a partir do espelho, “imagem especular”. Essa passagem é precedida de uma fase pré-especular em que a mãe empresta ao filho a sua imagem que aparece refletida no espelho.

    O estádio do espelho é o encontro do sujeito com aquilo que é propriamente uma realidade e, ao mesmo tempo, não o é, ou seja, com uma imagem virtual, que desempenha um papel decisivo numa certa cristalização do sujeito à qual dou o nome de sua Urbild.

    Coloco isso em paralelo com a relação que se produz entre a criança e a mãe […]. A criança conquista aí o ponto de apoio dessa coisa no limite da realidade, que se apresenta para ela de maneira perceptiva. Mas que, por outro lado, podemos chamar de uma imagem, no sentido de que a imagem tem a propriedade de ser um sinal cativante que se isola na realidade, que atrai e captura certa libido do sujeito.

    Certo instinto graças ao qual, com efeito. Certo número de diferenças, de pontos psicanalíticos no mundo, permite ao ser vivo ir organizando mais ou menos suas condutas. (LACAN [1949], 1998, p. 233)

     

    Reconhecimento da mãe

    Lacan situa um tempo para que a criança reconheça que a própria mãe vai permitir ao filho se reconhecer como um sujeito outro que não ela. Esse reconhecimento só será possível se: ria imagem.

    Isso é possível mediante o olhar que o outro devolve ao bebê, na relação simbiótica do desejo fálico. Ao investir neste desejo de que ele esteja ali refletido como outro – “metáfora do espelho” é a operação de reconhecimento que suporta (sustenta) a identificação resulta possível porque o adulto que a executa constitui-se.

    Por sua vez, em relação a um terceiro que o assujeitou às estruturas de uma língua partícula (e às de uma formação histórico-social particular). O adulto só mediatiza o reconhecimento que, em última instância, emana de uma rede de relações simbólicas e de subjetivismo que atribui tanto os lugares do “reconhecimento” quanto o daquele que veicula a operação.

     

    Reconhecimento do outro

    Essa rede chama-se Outro. O reconhecimento sempre emana do Outro, o outro apenas suporta uma função – a função do espelho.

    O Outro é quem detém “eficácia simbólica”; ele, de certa forma, adjudica ao outro, seu representante, o poder necessário para efetuar o reconhecimento. (LACAN [1949], 1998, p. 88)

    Esse Outro que remete a significantes é decisivo pelas marcas que deixa no corpo do infans. E são as significações que este dá a essas marcas que possibilitarão o processo de constituição do sujeito psíquico.

     

    O “Eu” Subjetivo

    Ao se sentir como “Eu” no espelho percebe-se como um outro diferente da mãe, embora ainda dependa da sustentação desta mãe, que o suporta no corpo, nas palavras e nos gestos.

    Ao explicar o estádio do espelho, Lacan (apud DÖR, 1990, p. 78) situa o prenúncio do complexo de Édipo ao nível de um limiar específico do processo de maturação da criança, testemunha de um momento particular de sua vida psíquica. Este momento é contemporâneo ao estádio do espelho, onde se esboça para a criança certo tipo de especificação tendo por pano de fundo uma relação de alienação específica com a mãe.

     

    O “estádio do espelho”

    Dör (1990, p. 122) utiliza o termo fases para explicar o Estádio do Espelho:

    “O estágio do espelho constitui esta fase inaugural da evolução psíquica na qual a criança subtrai-se ao registro capturante da relação dual com a mãe. O esboço da subjetividade, que se dá através da conquista da identidade originária permite à criança dar início à sua promoção subjetiva, rumo ao acesso ao simbólico pelo qual colocará um fim à relação especular com a mãe. Ora, é precisamente por este acesso ao simbólico que se organiza uma recaída do sujeito no imaginário, culminando no advento do Eu (Moi)”.

    Segundo o entendimento de Dör (1990), o estádio do espelho se dá quando a criança sai da relação dual com a mãe e da subjetividade e inicia a captação da sua imagem, embora ainda sustentada pelo Outro do espelho. O reconhecimento desse Outro (a mãe) é que permite ao sujeito existir.

     

    O “estádio do espelho” para Lacan

    Nas palavras de Lacan ([1949] 1998, p. 100):

    […] o estádio do espelho é um drama cujo alcance interno se precipita da insuficiência para a antecipação, e que para o sujeito preso na ilusão da identificação espacial, urde os fantasmas que se sucedem desde uma imagem esfacelada do corpo que chamaremos de ortopédica de sua totalidade […].

    Esse processo ortopédico pode ser entendido como a costura que a mãe faz das partes do corpo do filho para dar-lhe o sentido de totalidade. E “a marca põe em ato a inscrição do traço unário”. (COSTA, 2003, p. 54)

    Este traço, num primeiro tempo da experiência “[…] testemunha em favor de uma confusão primeira entre si e o outro, confusão amplamente confirmada pela relação estereotipada que a criança tem com seus semelhantes […]”. (DÖR, 1990, p. 79)

     

    A imagem em forma humana

    A captação da imagem em forma humana domina, segundo Lacan (1948): […] a captação pela imago da forma humana […] que, entre seis meses e dois anos meio, domina toda a dialética do comportamento, pautado na subjetividade, da criança em presença de um semelhante.

    Durante todo esse período, registraremos as reações emocionais e os testemunhos articulados de um transitivismo normal. A criança que bate diz ter sido batida, a que vê a outra cair, chora. (apud DÖR, 1990, p.79).

    […] a captação pela imago da forma humana […] que, entre seis meses e dois anos meio, domina toda a dialética do comportamento da criança em presença de um semelhante.

    Durante todo esse período, registraremos as reações emocionais e os testemunhos articulados de um transitivismo normal e de subjetivismo. A criança que bate diz ter sido batida, a que vê a outra cair, chora. (apud DÖR, 1990, p.79)

     

    Estádio do Espelho e identificação fundamental

    Assim, Lacan (1948) explica que o Estádio do Espelho ordena-se essencialmente a partir de uma experiência de identificação fundamental, durante a qual a criança faz a conquista da imagem de seu próprio corpo.

    Ainda, a identificação primordial da criança com esta imagem irá promover a estruturação do “Eu”, terminando com essa vivência psíquica singular e de subjetividade que Lacan designa como fantasma do corpo esfacelado. (apud DÖR,1990, p.79)

    O primeiro momento da fase do espelho evidencia o assujeitamento da criança ao registro do imaginário.

    O segundo momento constitui uma etapa decisiva no processo identificatório. Neste, a criança é levada a descobrir que o outro do espelho não é um outro real, mas uma imagem e não mais procura apoderar-se dela.

    Assim, “no geral, seu comportamento indica que ela sabe, de agora em diante, distinguir a imagem do outro da realidade do outro”. (DÖR, 1990, p. 80)

    O terceiro momento dialetiza os dois anteriores. A criança já está segura de que o reflexo do espelho é uma imagem, e que é dela. “A imagem do corpo é, portanto, estruturante para a identidade do sujeito, que através dela realiza assim sua identificação primordial”. (DÖR, 1990, p. 80)

    O Estádio do Espelho é, portanto, o processo de subjetivação do sujeito. Ou seja, a conquista da sua identidade e prelúdio do complexo de Édipo.

    2. O Complexo de Édipo

    — que tu tens os olhos abertos à luz, mas não enxergas teus males, e quem és, o lugar onde estás, e quem é aquela com quem vives. Sabes tu, por acaso, de quem és filho? Sabes que és o maior inimigo dos teus, não só dos que já se encontram no Hades, como dos que ainda vivem na terra? Um dia virá, em que serás expulso desta cidade pelas maldições maternas e paternas. Vês agora tudo claramente; mas em breve cairá sobre ti a noite eterna. (SÓFOCLES, 496-406 aC)

     

    O mito grego de Édipo, por Freud

    Freud se utiliza do mito grego para trabalhar os conceitos do complexo de Édipo e a castração. A tragédia que envolve filho, mãe, pai está escrita por Sófocles (496-406 a.C.), dramaturgo grego que se utilizado mito para provocar uma reflexão sobre a culpa, a qual ao ser impressa no ser humano instala o cumprimento das normas e leis.

    O mito narra que o filho (Édipo) mata seu pai (Laio) e toma a mãe (Jocasta) como esposa. Ao descobrir que esta é sua mãe, ele fura os olhos como uma punição pela culpa. A mãe, ao descobrir a verdade, se suicida.

    Mesmo ao desposar a mãe sem saber, ele se culpa e vai ao isolamento. Assim, na teoria de Freud, a problemática edipiana está escrita como um destino.

    Freud vale-se deste mito para explicar como a lei do incesto se instala e que é necessária a constituição psíquica. O complexo de Édipo é um dos pilares da Psicanálise, do qual nenhuma criança escapa ao se constituir como sujeito.

     

    Elucidação da sexualidade

    O Édipo é a explicação que Freud usa para elucidar a sexualidade e para explicar como se funda o sujeito. Para Freud, a ideia central do Édipo é o sentimento de ambivalência, amor e ódio, que permeiam a relação mãe, filho, pai.

    Esta relação edipiana expressa a ameaça da castração e a problemática fálica. O complexo de Édipo nada mais é do que a referência à ameaça de castração, que desorganiza a relação entre mãe e filho de poder gozar de um prazer único e completo.

    Esta relação é de desejo incestuoso pela mãe. Em contrapartida, há a rivalidade com o pai, pois este é quem barra o desejo, que é constitutivo e determinante para a vida psíquica “normal”.

    O primeiro momento do Édipo se dá com a saída do estádio do espelho, que é uma fase identificatória em que a criança já é um suposto sujeito, mas que: nem por isso deixa de estar numa relação de indistinção quase fusional com a mãe.

     

    A relação de fusão versus a subjetividade

    Esta relação fusional é suscitada pela posição particular que a criança mantém junto à mãe, buscando identificar-se com o que supõe ser o objeto de seu desejo. Esta identificação, pela qual o desejo da criança se faz desejo do desejo da mãe, é amplamente facilitada, e até induzida pela relação de imediação da criança com a mãe, a começar pelos primeiros cuidados e a satisfação das necessidades.

    Em outras palavras, a proximidade dessas trocas coloca a criança em situação de se fazer objeto do que é suposto faltar à mãe. Este objeto suscetível de preencher a falta do outro é, exatamente, o falo.

    A criança depara-se, assim, com a problemática fálica em sua relação com a mãe, ao querer constituir-se ela mesma como falo materno. (DÖR, 1990, p. 81)

     

    Subjetivismos e Subjetividades

    Para o autor, o primeiro momento é aquele em que a relação entre mãe e filho se encontra numa indistinção quase fusional e cheia de subjetivismos. O filho está no lugar de falo materno, o objeto que permite à mãe ser possuidora do falo.

    É necessário ao filho se colocar nesse lugar de ser o objeto faltante da mãe. Assim “o desejo da criança permanece radicalmente assujeitado ao desejo da mãe”. (DÖR, 1990, p. 81)

    Ela está para o bebê no lugar de onipotência, agora é completa. O pai aparece neste momento da relação, de “forma velada”.

    Ele está ali, presente, mas é como se não estivesse para a criança, ele só existe pelo discurso da mãe, quando a mãe fala ao filho que existe um outro, assim o pai se torna simbólico, “lei do símbolo” (LACAN, 1999, p. 200) – mesmo quando não está, ele existe.

    Leia Também:  Psicanálise e Literatura: relações e autores

     

    O imaginário do filho e o seu subjetivismo

    Não é o pai real que se inscreve como Nome-do-Pai, e sim, a função que este exerce no imaginário do filho. “O pai acha-se numa posição metafórica, na medida e unicamente na medida em que a mãe faz dele aquele que sanciona, por sua presença, a existência como tal do lugar da lei”. (LACAN, 1999, p. 202)

    O que garante ao pai simbólico aparecer é a problemática fálica na qual o bebê se questiona quanto ao falo. Essa situação de subjetividade lhe tira a certeza de ser a única coisa que a mãe deseja. Isso só é possível pela “identificação com o objeto fálico que alude à mediação da castração, convoca-a melhor ainda no terreno de uma oscilação dialética entre ser ou não ser o falo”. (DÖR, 1990, p. 81)

    É dessa forma que se dá o primeiro momento do complexo de Édipo. Já o segundo momento do Édipo acontece pela privação:

    “A mediação paterna irá desempenhar um papel preponderante na configuração da relação mãe-criança-falo, intervindo sob a forma de privação: […] Aliás, a intrusão da presença paterna é vivida pela criança sob a forma de identificação e de estruturação […]. Dito de outra forma, a intrusão paterna na relação mãe-criança-falo se manifesta em registros aparentemente distintos: a interdição, a frustração e a privação. A coisa complica-se ainda mais quando se revela que a ação conjugada do pai, simultaneamente interditor, frustrador, privador, tende a catalisar sua função fundamental de pai castrador”.  (DÖR,1990, p. 82-83)

     

    A figura paterna na psique subjetiva

    Nesse segundo tempo do Édipo entra na relação mãe-filho um terceiro que enlaça a lei da interdição – o pai. Assim, o filho internaliza essa lei e a toma como privadora da mãe, já não podendo mais satisfazer-se pela via do seu corpo.

    A criança, então, entra na ordem simbólica e de subjetivismo do “Nome-do-Pai”. Com esse deslocamento, que se dá a partir da castração, a mãe transfere seu olhar do filho para o pai e convoca esse filho a imaginar que o falo da mãe passa a ser o pai.

    Esse castrador, que interdita o filho e o priva do prazer, é o pai imaginário. Com isso, “o sujeito posicionou-se de certa maneira, num momento de sua infância, quanto ao papel desempenhado pelo pai no fato de a mãe não ter o falo”. (LACAN, 1999, p. 191)

     

    O pai como privador de desejos

    Ao castrar a mãe e privá-la da criança pela interdição do incesto, instaura a lei, e o pai se afirma como privador do desejo da mãe e do filho. Nesse momento, a criança passa ao terceiro momento, que é exatamente o tempo de “declínio do complexo de Édipo”.

    Põe fim à rivalidade fálica em torno da mãe, na qual a criança instalou-se e instalou também, imaginariamente, o pai.

    A partir do momento em que o pai é investido do atributo fálico, é preciso, como esclarece Lacan, “que ele dê provas disso”, pois “é na medida em que intervém, no terceiro tempo, como aquele que tem o falo. E não aquele que o é, que pode se produzir algo que reinstaura a instância do falo como objeto desejado pela mãe, e não mais apenas como objeto do qual o pai pode privá-la. (DÖR, 1990, p. 88)

    Para o autor, no terceiro tempo do Édipo, o pai pode dar à mãe o que ela deseja, ele é potente, possuidor do falo. Já não importa para a criança ser o falo, mas sim ter o falo ou não tê-lo, o que passa a ser simbólico, pois já circula na cadeia significante como objeto fálico.

     

    O ideal do eu e o subjetivismo

    Assim se dá a identificação, que é a estruturação do “ideal do eu” e da subjetividade – marcando a saída do complexo de Édipo. E isso só acontece pelo “valor estruturante desta simbolização” (DÖR, 1990, p. 88) que a criança dá na determinação do lugar ao objeto do desejo da mãe.

    A simbolização é estruturante tanto para a menina quanto para o menino, pois em um primeiro momento ambos têm um mesmo objeto de amor – a mãe. “O menino, que renuncia a ser o falo materno, engaja-se na dialética do ter, identificando-se com o pai que supostamente tem o falo”. (DÖR, 1990, p. 88)

    O complexo de Édipo na menina se dá à medida que ela se vê diferente do menino e considera-se castrada. Esta etapa se desenvolve bem mais simples na menina porque esta não precisa fazer a identificação nem ser titulada como viril.

    Ela encontra, assim, uma identificação possível na mãe, pois como ela, a mãe é castrada, e reconhece que não tem o falo, mas sabe onde buscá-lo, vai à direção de quem o tem (o pai).  (DÖR, 1990, p. 88)

     

    A identificação

    A identificação que pode ser feita com a instância paterna realiza-se aqui, portanto, nesses três tempos. Em primeiro lugar, a instância paterna se introduz de uma forma velada, ou que ainda não apetece.

    Isso não impede que o pai exista na realidade mundana, ou seja, no mundo, em virtude de nesse reinar a lei do símbolo. Por causa disso, a questão do falo já está colocada em algum lugar da mãe, onde a criança tem de situá-la.

    Em segundo lugar, o pai se afirma em sua presença privadora, como aquele que é o suporte da lei. E isso já não é feito de maneira velada, porém de um modo mediado pela mãe, que é quem o instaura como aquele que lhe faz a lei.

    Em terceiro lugar, o pai se revela como aquele que tem. É a saída do complexo de Édipo.

    Essa saída é favorável na medida em que a identificação com o pai é feita nesse terceiro tempo, no qual ele intervém como aquele que tem o falo. Essa identificação chama-se ideal do eu.

     

    Triângulo simbólico e subjetivação

    Ela vem inscrever-se no triângulo simbólico no pólo em que está o filho, na medida em que é no pólo materno que começa a se constituir tudo o que depois será realidade. Ao passo que é no nível do pai que começa a se constituir tudo o que depois será o Supereu. (LACAN, 1999, p. 200)

    É assim, segundo Lacan (1999), que se constitui a metáfora paterna e todo o seu subjetivismo. Esta se inicia para os dois sexos, tanto para a menina como para o menino, desde o início do recalque originário até a constituição no complexo de Édipo.

    O complexo de Édipo é, então, um processo normativo, que instaura a lei paterna, que é construtora do Supereu (superego), mas, ao mesmo tempo, é também patogênico. Ao ter a lei instaurada, a criança passa a uma condição de sujeito do desejo, mas também da neurose.

     

    A estruturação do subjetivismo

    Na estruturação do subjetivismo, mais precisamente no complexo de Édipo, a entrada da criança na neurose se dá ao aceitar a castração, quando concorda em se beneficiar com a retirada da relação com a mãe, tendo a satisfação como benefício.

    Ao não se encontrar mais alienada ao desejo da mãe passa a ter o direito de ser herdeiro de um registro simbólico como sujeito do seu próprio desejo.

    Durante toda sua obra, Freud ressalta que para o menino este processo não envolve somente ter que renunciar ao amor da mãe. Mas, também, ter que se haver com a ameaça de perder o pênis (complexo de castração), que significa o símbolo fálico, representante da falta da mãe, e onde se encontra o seu desejo.

    Aceita a interdição do incesto e reconhece que quem tem o falo é o pai. Aceita a castração e renuncia o prazer com a mãe, mas somente pela promessa internalizada de que poderá ir de encontro a algo que substitua este primeiro, por isso este prazer é uma busca nunca totalmente satisfeita.

     

    A neurose

    Já a neurose é herdeira da promessa: “[…] que lhe seja permitido ter um pênis para mais tarde. Aí está o que é efetivamente realizado pela fase de declínio do Édipo”. (LACAN, 1999, p. 212)

    A via da neurose não é a única possibilidade que o sujeito humano tem de existir. Para Freud ([1905], 2006), pode-se produzir um desfecho diferente do que a neurose no percurso do desenvolvimento das psiconeuroses:

    […] Não é só que os próprios neuróticos constituam uma classe muito numerosa, há também que levar em conta que séries descendentes e ininterruptas ligam a neurose, em todas as suas configurações, à saúde; por isso Moebius pôde dizer, com boas justificativas, que todos somos um pouco histéricos. Assim, a extraordinária difusão das perversões força-nos a supor que tampouco a predisposição às perversões é uma particularidade rara, mas deve, antes, fazer parte da constituição que passa por normal. (FREUD [1905], 2006, p. 162)

     

    A perversão

    Com relação à perversão, Freud ([1905], 2006) afirma que o pai castra, mas o perverso desmente esta castração. Embora ela exista, ele não a considera, toma-a como lei, negando-a. Não se vendo castrado, supõe-se não faltante, e o falo lhe é acessível.

    A mãe do perverso também não é vista como castrada, ela é fálica. Esta estrutura em que o perverso se encontra coloca-o numa divisão do eu “Clivagem”, em que há duas realidades contrapostas no inconsciente: a que lhe remete à castração e a negação da mesma.

    Pode-se dizer, então, que a estrutura perversa tem o registro do falo, só que, como o neurótico perde o direito de gozo pela culpa, o perverso tem outro registro.

    A este respeito, Quinet (2000, p. 27) afirma:

    “Freud mostra essa divisão a partir do perverso, o qual está diante da descoberta da castração no Outro sexo, da constatação de que a mãe não tem pênis, se divide. Por um lado, o sujeito dá crédito, por outro, nega, desmente: não, ela tem, ela tem sim, eis aqui o pênis da mãe, transformado num fetiche”.

     

    A castração

    Ora, na verdade, a questão da castração é da ordem do insuportável para todo mundo e, “esboço da psicanálise”, Freud generaliza a divisão do sujeito.

    Diante da castração não há como não negá-la: o perverso desmente, o neurótico recalca e o psicótico rejeita completamente (foraclui). Mas, a questão da verdade da castração retorna ao sujeito: o neurótico recalca e sintomatiza, o perverso desmente e fetichiza.

     

    A psicose

    Já o psicótico foraclui e alucina e/ou delira. Spaltung,que significa divisão, clivagem, fenda, esquize é a própria característica do sujeito do inconsciente e da subjetividade, pois sua definição inclui a castração.

    Ela coloca por terra todo e qualquer ideal de harmonia em que o sujeito seja inteiro (ou seja, inteiro) em alguma situação.

    Com relação à psicose pode-se dizer que algo no curso normal da constituição psíquica não acontece, ocorrendo uma problemática.

    Assim, ao se problematizarem os tempos do Édipo, quando a mãe não desvia o olhar do seu bebê, e assim não permite o corte, a criança entra na psicose. Esta se dá pela falta de inscrição no simbólico e no subjetivismo.

     

    A lei paterna x subjetividade

    Com a metáfora do Complexo de Édipo, Freud explica como se dá esse processo de subjetivação e faz entender que a não inscrição da Lei Paterna, o Nome-do-Pai priva o filho do campo do simbólico. Ficando este colado à mãe, não constrói sua própria imagem.

    É como se, ao não construir sua imagem, seu corpo ficasse sem bordas.

    No primeiro e no segundo tempo do espelho instaura-se a psicose.

    O filho fica colado ao desejo da mãe. Os cuidados da mãe se fazem em excesso, não permitindo ao filho demandar, desejar, e assim o processo que leva ao subjetivismo não se completa.

    O psicótico não sai da relação objetal que se estabelece no início da vida com a mãe, permanece para sempre alienado ao seu desejo, atrelado ao desejo do Outro. A criança fica presa no olhar do espelho, não por se reconhecer nele, mas por ficar dentro dele, grudado à imagem da mãe.

     

    Não reconhecimento

    Por conseguinte, não consegue construir sua própria imagem corporal. Ao não se reconhecer, também não reconhece o outro como semelhante, vê o outro como persecutório.

    Assim, não se instaura a Lei Paterna, o significante Nome-do-Pai fica “foracluido”. E, a possibilidade de entrar na neurose não se viabiliza, por isso é uma estrutura que fracassa, pois o psicótico não foi organizado no Édipo.

    Neste sentido, a estruturação do sujeito, seja ela neurótica, perversa ou psicótica, é uma estruturação de defesa. Explica-se que: para que o sujeito não pereça diante da demanda do Outro é necessário que ele tenha uma significação para se defender em sua subjetividade, a castração ou não, mas cada estrutura se dá pela via da defesa.

     

    O homem social

    Para poder entender toda a fundação do sujeito, “dito homem social” – inscrito pela linguagem e dotado de um a subjetivação – tem-se que levar em conta que o homem é fundado tanto pelo desejo como estruturado pela sua proibição.

    Ser social é ser dotado de subjetividade. Nossa subjetividade é, portanto, em grande medida coletiva, apesar dos pequenos extratos individualizados. Esses extratos não deixam de ser coletivos, apenas são rearranjados pelo sujeito de uma forma diferente, identificando haver ali uma subjetividade.

     

    Conclusão: subjetividade, subjetivação, subjetivismo

    Ao se deparar com questões que foram surgindo ao longo do curso de Psicologia em relação ao estudo da Psicanálise, aproveitou-se a oportunidade deste estudo monográfico para tentar dar conta de algumas questões.

    Em especial, de como se funda o sujeito e de como se dá o processo de subjetivação. A esse respeito chegou-se às considerações elencadas a seguir.

    Tanto Freud quanto Lacan demonstra, por meio de suas obras literárias, que o sujeito se constitui e não nasce pronto. Freud afirma que o sujeito referido pela Psicanálise é fundado na linguagem por já existir na história e no desejo dos pais de ter um filho.

     

    A dependência do Outro e a subjetividade

    Lacan, ao tomar a teoria de Freud, avança na noção de sujeito. E, afirma que ele depende de um Outro para a sua constituição, o qual é essencialmente discursivo.

    O sujeito, ao ser inserido no discurso dos pais, já está na linguagem – pois estes são os que perpassam e transmitem a seus filhos os significantes de suas histórias familiares e que vão fundar o sujeito.

    O bebê humano nasce carente de tudo, e seus pais vão lhe permitir iniciar a via do subjetivismo mediante cuidados com sua sobrevivência. Este processo será possível, simultaneamente, pelo manuseio das partes do corpo desse filho e pela fala que a mãe lhe dirige.

     

    A mãe

    A mãe, ao tocar e ao falar com o filho, vai mapeando esse corpo ao mesmo tempo em que vai dando nome às suas angústias: – “Meu bebê está com fome” e lhe dá o peito; – “Ele está com frio”, e o troca. Ao supor o que o filho deseja vai fazendo com que este se reconheça com frio ou com fome, mas ao mesmo tempo supõe aí um sujeito, que demanda e, portanto, em falta.

    É nessa sequência de acontecimentos na relação mãe e filho que vão se inscrevendo as primeiras marcas que irão determinar os significantes que representam o sujeito e sua subjetividade. A esse total desamparo em que o nascente se encontra, Lacan chama de alienação, enquanto que para Freud é a relação narcísica do filho com a mãe, indispensável para que o  infans inicie o seu da subjetivação.

    A falta da mãe no momento em que ela se afasta para qualquer outra atividade provoca no infans a angústia do vazio. Esta falta permite a ele desejar que ela volte a supri-lo novamente.

    Assim, sucessivamente, pela repetição, vai fazer com que a criança signifique esta falta e possa, em um segundo momento, ressignificá-la, elegendo outro objeto para substituir este primeiro.

     

    O Fort-Da (Freud)

    É esta busca no vai e vem do Fort-Da de Freud, esta separação em que o desejo faz função, que permitem ao infans buscar outra coisa que não a mãe para sua satisfação. Lacan toma a teoria freudiana e repensa a constituição do Eu, substituindo-o por noção de sujeito.

    Sua formulação ou teorização se dá em torno desse sujeito.

    O autor enfoca que a mãe supõe um sujeito pela linguagem deixando marcas, traços de memória que ficam no inconsciente e que vão marcar o sujeito por toda a vida.

    É no falar ao filho que a mãe o enlaça no simbólico. Ao permitir que um outro seja detentor de seu desejo, este desejo que move a mãe castra o filho e a priva de continuar na relação incestuosa.

     

    O filho: o outro

    A mãe outorga ao filho uma posição de outro que sabe, ele se dá por conta em um determinado momento que não é o falo da mãe, um outro possui o falo – o pai. É em torno de toda esta dialética que giram as teorias lacaniana e freudiana – as quais fundamentam o surgimento do sujeito nos seus aspectos normativo e patogênico.

    Esse barramento se dá quando o terceiro (por meio do da subjetivação) interdita a relação, castrando a mãe e o filho. Assim, a lei da mãe é submetida à lei do pai que, segundo Lacan, é o significante do Nomedo-Pai que substitui o significante do desejo da mãe, metáfora paterna.

     

    Os “três tempos do Édipo”

    São necessários os três tempos do Édipo para explicar a inscrição ou não do Nome-do-Pai, o qual está descrito no decorrer do segundo capítulo deste estudo.

    Assim, este significante da castração da mãe e do filho por não terem o falo é o que indica que o possuidor do falo é o pai. E o que permite o sujeito se inscrever ou não na neurose é a problemática fálica, “[…], o pai intervém como real e potente”. (LACAN, 1999, p. 201)

    Sendo assim, esta afirmação do pai potente que proíbe o filho ao desejo da mãe é formador do Supereu e o regulador da moral, da lei. A inscrição da neurose se dá no terceiro tempo do Édipo.

     

    O “declínio do Édipo”

    Quando Freud trata do declínio do Édipo, a menina aceita ser castrada e não briga pela virilidade, mas dirige-se a quem tem o falo, ou seja, o pai. O menino precisa que a promessa do pai se cumpra, ele não aparece mais velado, e sim mediado pela mãe como lei.

    O filho, então, se identifica com o pai, e essa identificação chama-se ideal do eu. Dependerá da passagem pelo Édipo para se constituir a neurose e perversão.

    A não inscrição do Nome do Pai, portanto, da castração edipiana, produz a psicose. Estas estruturas tanto para Freud como para Lacan são psiconeuroses de defesa na relação com a demanda imaginária do Outro.

     

    O sujeito da Psicanálise

    Sendo o sujeito da Psicanálise o foco desta pesquisa, não poderia deixar de ressaltar que as vias dessa subjetivação que o sujeito encontra para se defender do amor narcísico do ser primordial – a mãe –, se dão por meio da inscrição da metáfora paterna. Se esta via da neurose como defesa não se efetiva, a problemática nos três tempos do Édipo desliza para a perversão ou para a psicose.

    Para concluir gostaríamos de colocar que o desejo de compreender este sujeito da Psicanálise mostrou que mesmo os caminhos de cada sujeito sendo diferentes. Sendo que a subjetivação e o subjetivismo se dão pela via dos significantes e que cada sujeito se subjetiva conforme o que vive e internaliza em suas experiências.

     

    Internalização: a subjetivação (processo) resulta no subjetivismo (sujeito)

    A complexidade desta temática mostra que como o sujeito tem sua singularidade pelo que internalizou de sua vivência, o ato da escrita também é singular. Por isso é que desde o início este estudo foi muito difícil, escrever do sujeito é falar de nós mesmos e nos dar por conta de certas limitações, dificuldades e até mesmo de momentos de impossibilidade.

    Assim, as barreiras da escrita nos levaram a verificar que o ato de escrever diz muito da conquista deste trabalho. Poder concluir, portanto, é um ato de coragem, determinação e superação.

     

    Considerações finais: subjetivismo e subjetividade

    O desejo de continuar a escrever é o que nos move neste momento. Pois, ao superar as barreiras pode-se compreender que é só através da escrita que se pode articular com os pensadores e elaborar questões advindas no percurso desta monografia.

    As inúmeras questões com que se deparou neste estudo reafirmam a necessidade de continuar estudando a constituição do sujeito na Psicanálise. O percurso desta monografia necessitaria de um tempo maior, o qual não foi possível em função das normas acadêmicas e das atribulações pertinentes.

    O sujeito de que trata da Psicanálise e da subjetividade na Psicanálise é o que alimenta todo o trabalho analítico. E, por isso, a importância de saber sobre, sem o qual todo trabalho do psicólogo fica comprometido.

     

    Referências bibliográficas

    ORIAT, Elsa. Psicanálise e clínica de bebês. Acerca da inscrição da estrutura. Tradução de Julieta Jerusalinski. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1997.

    COSTA, Ana. Tatuagem e marcas corporais: atualizações do sagrado. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

    DÖR, Joël. Introdução à leitura de Lacan. O inconsciente estruturado como linguagem. Tradução de Carlos Eduardo Res. Supervisão e revisão técnica da tradução de Cláudia

    Corbisier. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

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    Psicanálise passo a passo. 50. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

    FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos [1900]. In: Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1977.

    JERUSALINKY, A. Desenvolvimento e Psicanálise. In: Psicanálise e Desenvolvimento Infantil: um enfoque transdisciplinar. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999.

    JERUSALINSKY, Julieta. A criação da criança: letra e gozo nos primórdios do psiquismo. São Paulo, 2009.

    LACAN, Jacques. O estádio do espelho como formador da função do eu [1949]. In: Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

    LEVIN, Esteban. A infância em cena. Constituição do sujeito e desenvolvimento psicomotor. Tradução de Lúcia Endlich Orth e Ephraim Ferreira Alves. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

    QUINET, Antonio. A descoberta do inconsciente do desejo. Do desejo ao sintoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

    SCHNEIDER, Ivanete Malheiros. O desejo em psicanálise. Ijuí, RS: Ed. da Unijuí, 2009.

    SÓFOCLES (496-406 aC). Édipo Rei. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Disponível em: . Acesso em: 21 jan. 2012.

    VOLNOVICH, J. A Psicanálise de crianças hoje. In: VOLNIVICH, J. Lições introdutórias à psicanálise de crianças. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1991.

    Este artigo foi adaptado de Leonardo Veroneze, concluinte do nosso Curso de Formação em Psicanálise Clínica (conheça e inscreva-se).

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