Cinema e perversão, análise de filmes sobre perversão

Cinema e Perversão: 10 grandes filmes

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Entenda a relação entre cinema e perversão. O conteúdo faz uma revisão de filmes sobre o tema e analisa como representaram a temática da perversão sexual. Vamos listar 10 filmes que exemplificam a perversão na sétima arte.

A intenção principal deste artigo é trazer algumas representações fílmicas das perversões e de outras questões inerentes à sexualidade.

Representações da Perversão no Cinema: uma breve revisão fílmica

O formato de artigo não nos permite ampliar a discussão, a qual, inexoravelmente, precisará ser reduzida e, por essa razão, ficará bastante enxuta, tanto com relação à horizontalidade (número de obras cinematográficas contempladas/mencionadas), como à verticalidade (análise de cada obra).

No entanto, acredita-se que, principalmente para leitores psicanalistas clínicos, estudantes de psicanálise, ou ainda, analisandos e leigos com interesse para com a ciência e arte, a arte e ciência psicanalítica, essa breve revisão filmográfica poderá fomentar futuras pesquisas e produções acadêmicas (e não estritamente acadêmicas), e de uma maneira geral, poderá enfatizar a íntima ligação existente entre cinema e psicanálise.

Afinal, percebe-se como no cinema, mesmo aquele mais comercial e narrativamente linear, há abundância de deslocamento e condensação, que coincidentemente ou menos, são mecanismos por excelência da mente inconsciente, regidos pelo princípio do prazer via processos primários e, outra coincidência, a psicanálise considera a mente inconsciente como o seu objeto científico por excelência.

É curioso que, para encontrar traços explícitos do inconsciente na Sétima Arte não é necessário focar nas vanguardas e em obras surrealistas como:

  • La coquille et le clergyman (Germaine Dulac, 1928),
  • Un chien andalou (Luis Buñuel, 1929) e
  • L’age d’or (Luís Buñuel, 1930), apenas para exemplificar.

O conceito de perversão e sua manifestação no cinema

Deslocamento e condensação estão presentes na grande maioria de filmes, ou mesmo na totalidade das obras cinematográficas, seja em maior ou em menor grau.

Com relação a cinema e perversão, existe uma ampla amostra de filmes que abordam o tema a partir de diversos ângulos e perspectivas, considerando, também, a abrangência e complexidade do conceito de perversão, além de seu “dinamismo”, já que muda ao longo do tempo e depende também do contexto sócio-cultural.

Antes do que mais nada, para se falar em perversão, é necessário introduzir brevemente, com Freud, o conceito de libido, ou energia psíquica de fundo sexual: “O fato da existência de necessidades sexuais no homem e no animal expressa-se na biologia pelo pressuposto de uma “pulsão sexual”.

Segue-se nisso a analogia com a pulsão de nutrição: a fome. Falta à linguagem vulgar [no caso da pulsão sexual] uma designação equivalente à palavra ‘fome’; a ciência vale-se, para isso, de ‘libido’ (FREUD, 1905, p. 84).

Da mesma maneira, pouco adiante em Três ensaios sobre sexualidade (1905), Freud faz questão de introduzir outros dois conceitos fundamentais, antes mesmo de enumerar as modalidades de perversão.

O chamado Pai da Psicanálise assim pondera a esse respeito: “chamemos de objeto sexual a pessoa de quem provém a atração sexual, e de alvo sexual a ação para a qual a pulsão impele. Assim fazendo, a observação cientificamente esquadrinhada mostrará um grande número de desvios em ambos, o objeto sexual e o alvo sexual, e a relação destes com a suposta norma exige uma investigação minuciosa” (FREUD, 1905, p. 84).

O objeto do desejo

Ao compreendermos o que é um alvo e o que é um objeto, podemos seguir adiante e aprofundar acerca das perversões no contexto psicanalítico. Roland Chemama assim define a perversão, enquanto:

Experiência de uma paixão humana, na qual o desejo sustenta o ideal de um objeto inanimado. A perversão não é uma simples aberração da conjunção sexual em relação aos critérios sociais estabelecidos. Ela coloca em ação o primado do falo, realizando uma fixação do gozo em um objeto imaginário — frequentemente errático — em lugar da função fálica simbólica, que organiza o desejo por intermédio da castração e da falta. A perversão isola a função do objeto, em sua relação com o complexo de castração, enquanto esse objeto é enunciado como a causa que dita a dialética do desejo no neurótico (CHEMAMA, 1995, p. 162).

Se Chemama aparenta direcionar a sua definição para algo que remete ao fetichismo, percebe-se que Laplanche e Pontalis fornecem uma definição mais ampla que reafirma a pluralidade de “desvios” sexuais que podem ser considerados perversão. Segundo os autores, essa seria um

Desvio em relação ao ato sexual “normal”, definido este como coito que visa a obtenção do orgasmo por pénetração genital, com uma pessoa do sexo oposto. Diz-se que existe perversão quando o orgasmo é obtido com:

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    • outros objetos sexuais (homossexualidade, pedofilia, bestialidade, etc.), ou
    • por outras zonas corporais (coito anal, por exemplo) e
    • quando o orgasmo é subordinado de forma imperiosa a certas condições extrínsecas (fetichismo, travestismo, voyeurismo e exibicionismo, sadomasoquismo); estas podem mesmo proporcionar, por si sós, o prazer sexual.

    Perversão e Normalidade

    Nesta abordagem sobre cinema e perversão, podemos dizer, “de forma mais englobante, designa-se por perversão o conjunto do comportamento psicossexual que acompanha tais atipias na obtenção do prazer sexual” (LAPLANCHE e PONTALIS, 2000, p. 341).

    Os autores fazem questão de ressaltar a necessária subordinação da perversão a um conceito de normalidade, por sua vez baseado num padrão, ou norma, tido como aceitável. Lê-se no Vocabulário da Psicanálise: “É difícil conceber a noção de perversão sem que seja em referência a uma norma” (LAPLANCHE e PONTALIS, 2000, p. 341).

    Laplanche e Pontalis destacam que, dependendo do entendimento de determinado autor, perversão é algo não estritamente de natureza sexual e pode incluir comportamentos anti-sociais e criminosos, ou desordens alimentares.

    Nesse sentido, é possível observar que, no lugar comum, tende-se a confundir desvios do objeto sexual considerado normal (o coito vaginal via penetração peniana) com a psicopatia, o que de certa forma reverbera também no âmbito das representações cinematográficas das perversões, como veremos adiante.

    A perversão em todos nós

    É útil acrescentar que Freud considerava a perversão como algo que, em algum grau, estaria onipresente entre os seres humanos, desde as pessoas mentalmente saudáveis até os indivíduos acometidos por alguma doença psíquica.

    Assim, podemos pensar não só a relação cinema e perversão, como também a perversão e todos nós.

    De acordo como o autor de Três ensaios sobre sexualidade, “quem é mentalmente anormal em algum outro aspecto, seja em termos sociais ou éticos, habitualmente também o é em sua vida sexual. Mas muitos são os anormais na vida sexual que, em todos os outros pontos, correspondem à média, e que passaram pessoalmente pelo desenvolvimento cultural humano, cujo ponto mais fraco continua a ser a sexualidade” (FREUD, 1905, p. 92).

    Quanto à práxis sexual social, moral e culturalmente tida como “aceitável”, segundo Freud, o alvo da relação sexual seria

    A união dos genitais no ato designado como coito, que leva à descarga da tensão sexual e à extinção temporária da pulsão sexual (uma satisfação análoga à saciação da fome). Todavia, mesmo no processo sexual mais normal reconhecem-se os rudimentos daquilo que, se desenvolvido, levaria às aberrações descritas como perversões. É que certas relações intermediárias com o objeto sexual (a caminho do coito), tais como apalpá-lo e contemplá-lo, são reconhecidas como alvos sexuais preliminares. Essas atividades, de um lado, trazem prazer em si mesmas, e de outro, intensificam a excitação que deve perdurar até que se alcance o alvo sexual definitivo (FREUD, 1905, p. 92).

    Percebe-se como o próprio Freud, escrevendo enquanto médico e cientista, aponte às perversões com certo constrangimento, não no sentido moralista ou com relação aos diques ligados à atuação superegóica (vergonha, asco…) e sim, o embaraço de quem compreendeu que as tais aberrações eram e continuam sendo.

    Dentro certos limites, algo tão comum que a classificação de perversão torna-se bastante complexa e às vezes paradoxal, tanto que o próprio Freud resolveu esse impasse ao destacar que a perversão deve ser classificada enquanto patológica ou em suas manifestações mais extremas (necrofilia, coprofagia…), ou quando ocorre a fixação em determinada práxis sexual em substituição do coito vaginal por meio de penetração fálica, o que não necessariamente remete para uma perversão tão grave quanto as que acabam de ser mencionadas.

    Ou seja, para exemplificar, o ato de apalpar, beijar, lamber ou chupar, no âmbito de uma relação sexual normal limita-se ao preliminar, enquanto, ao assumir, uma dessas práticas, o papel de substituto do coito vaginal, adquire o caráter de uma monomania sexual, e portanto, passa a se tratar de uma patologia inerente à sexualidade.

    Da mesma maneira, certo grau de sadomasoquismo, na medida em que não se torne demasiadamente aflitivo e que haja consenso entre as partes, além de não chegar a perturbar outras esferas da vida das pessoas envolvidas, representa uma perversão não patológica. E assim por diante.

    Cinema e Perversão: 10 filmes

    Dentro do universo fílmico, são inúmeras as representações das perversões.

    A bela da tarde (Luís Buñuel, 1967)

    Aborda um caso peculiar de perversão que remete para a ninfomania, no qual uma mulher casada, sem nenhuma necessidade financeira, resolve se juntar às meretrizes de um prostíbulo apenas por diversão e certo espírito de aventura e transgressão.

    Martha (Rainer Werner Fassbinder, 1974)

    O filme retrata a subjugação psicológica da protagonista pelo homem que vem a se tornar seu marido, Helmut, um sádico que sente prazer tanto na dominação mental, como na humilhação e ainda, no sofrimento físico da esposa, como quando ele deixa intencionalmente que ela sofra uma insolação e ainda, em seguida, ele a judia na pele queimada pelo sol.

    Além do mais, enquanto Helmut viaja, Martha precisa aprender sobre o ofício dele, apenas para que os dois possam estabelecer conversações sobre o trabalho dele. Ou seja, Martha é levada a se anular para comprazer o marido. Além de Helmut, no filme aparece um perverso que, ao vislumbrar Martha enquanto ela está sentada num restaurante com Helmut, acena obscenamente a ela com a língua, simulando o cunilingus.

    The waiting room (1996), The gas station (2000) e The gallery (2003)

    Jos Stelling é um diretor holandês que propôs um olhar peculiar, com um toque de paródia sobre o tema da perversão e, especificamente, sobre as fantasias de um erotômano, protagonizado por Gene Bervoets, o que resultou numa trilogia de curtas-metragens, chamada Erotic tales, composta pelos filmes The waiting room (1996), The gas station (2000), The gallery (2003).

    Cidade dos sonhos (David Lynch, 2001)

    A jovem atriz que chega a Hollywood em busca de sucesso e vem a se deparar com uma mulher que escapou de um feminicídio, chega a se masturbar de maneira veemente, mórbida, beirando o autolesionismo, além de haver toda uma alusão ao relacionamento homossexual entre as duas mulheres.

    A esse respeito, é importante frisar que, com relação à homossexualidade, inicialmente chamada de “inversão” por Sigmund Freud (1905), e depois reconsiderada pelo mesmo autor, há diversas décadas não é mais considerada um transtorno da sexualidade, assim como é evidenciado pelo CID-10, Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento, onde consta que, “Transtornos de preferência sexual são claramente diferenciados de transtornos de identidade sexual e a homossexualidade em si não é mais incluída como uma categoria” (OMS, 1993, p. 4).

    Veludo azul (David Lynch, 1986)

    Permanecendo no âmbito da obra do mesmo cineasta, há outro filme, Veludo azul (David Lynch, 1986), no qual percebe-se um elevado grau de aberração sexual de fundo sádico, através do personagem Frank Booth (Dennis Hopper), embora nesse caso, o sadismo coexiste com a psicopatia desse personagem, além do uso de drogas estimulantes e álcool.

    É preciso sublinhar o fato da perversão não ser sinonímia de psicopatia, tratando-se de condições mentais distintas, sendo a perversão uma forma de organização psíquica diferente da organização neurótica e da psicótica, enquanto a psicopatia não corresponde a nenhuma das três organizações em particular, havendo variantes e se tratando de uma condição sobre a qual parece não existir consenso científico, sendo que já foi apontada a suposta falta, nos indivíduos acometidos por psicopatia, de uma região do cérebro responsável pela empatia.

    Todavia, o psicopata pode não ser um sádico, não sente necessariamente prazer enquanto comete suas barbaridades, apenas, para ele, matar ou provocar sofrimento é uma coisa como outra. E lembremos que existe uma psicopatologia feminina que, segundo Diana Moreira (2015) difere daquela masculina por ser mais sutil e difícil de ser identificada e diagnosticada, inclusive por especialistas (psiquiatras) e delegados/as policiais.

    O silêncio dos inocentes (Jonathan Demme, 1991)

    Nesse sentido, o personagem Hannibal Lecter, em O silêncio dos inocentes (Jonathan Demme, 1991), é uma espécie de Dr Jekyll e Mr Hyde, sendo ao mesmo tempo psiquiatra e psicopata violento e perverso. Hannibal (Anthony Hopkins) orienta a jovem agente do FBI (Jodie Foster) sobre como conseguir capturar outro assassino.

    Repulsa ao sexo (Roman Polanski, 1965)

    Carol Ledoux (Catherine Deneuve) é uma jovem acometida por aversão ao sexo. Fortemente desejada, ela se recolhe em seu apartamento, onde passa a manifestar sintomas que beiram a psicose, enquanto as alucinações lhe fazem “vivenciar”, enquanto vítima, verdadeiras violências sexuais.

    Amarelo Manga (Cláudio Assis, 2003)

    É um filme pernambucano de Cláudio Assis, no qual há diversas referências à perversão, a saber:

    • uma mulher madura se masturbando com a máscara de oxigênio (tipo aerosol);
    • necrofilia, através do estrangeiro que, ainda, será sodomizado por Kika, servindo de válvula de escape para a evangélica, supostamente traída pelo marido açougueiro.

    É com o estrangeiro que Kika desconta a raiva e a decepção adindas do adultério que ela acredita ter sofrido, devido a uma cilada criada pelo homossexual Dunga. E vale lembrar que, entre outras coisas, o nome do filme pode estar associado à cor dos pêlos pubianos de Lígia (Leona Cavalli), dona de bar que chega a mostrar a vagina para o estrangeiro, antes de quebrar-lhe uma garrafa na cabeça.

    Baixío das bestas (Cláudio Assis, 2006)

    Assis volta a trabalhar o tema da aberração sexual no filme seguinte, Baixío das bestas (Cláudio Assis, 2006), no qual se assiste a todo tipo de depravação, como voyeurismo e pedofilia por parte de um idoso que gosta de ver uma mocinha se despir na sua frente, mas o filme vai além, mostrando momentos de sadismo pesado, que aqui se confunde com psicopatia e brutalidade extrema, quando uma prostituta é morta ao ser sodomizada com um cabo de vassoura.

    Novecento (Bernardo Bertolucci, 1976)

    E para concluir essa breve revisão filmográfica, em Novecento (Bernardo Bertolucci, 1976) o personagem Olmo (Gerard Depardieu) pratica o ato conhecido como cunilíngua em sua esposa já grávida. Sendo que, permanecendo no âmbito do cinema de Bertolucci, no filme Ùltimo tango em paris (1972) há uma cena de sexo anal (heterossexual) entre Paul (Marlon Brando) e Jeanne (Maria Schneider).

    Curiosamente, os pormenores da cena não tinham sido comunicados à atriz, então com dezenove anos. Ou seja, tratou-se de um estupro planejado por Bertolucci e Brando e executado por Brando, e apenas levemente atenuado pelo uso de manteiga antes de praticar a referida sodomia, ou coito anal, na atriz despreparada. Assim, Bertolucci (hoje falecido, como a atriz e o ator), comentou a cena:

    “Queria sua reação como menina, não como atriz. Não queria que Maria interpretasse sua humilhação e sua raiva, queria que sentisse. Os gritos…’Não, não!’. Depois me odiaria para sempre”. Segundo o jornal ‘El País Brasil’, “a confissão foi recuperada por vários veículos de imprensa norte-americanos, a partir de uma entrevista do diretor na Cinemateca francesa em 2013”.

    Este artigo sobre cinema e perversão foi escrito para o site Psicanálise Clínica pelo autor Riccardo Migliore , Instagram @visualidadesanaliticas. Riccardo é Doutor em Letras pela UFPB, pesquisador e autor, Life Coach, Analista comportamental e PNL Practitioner (Terapeuta de Programação Neurolinguística), formando em Psicanálise Clínica pelo IBPC.

     

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