Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981) foi um psicanalista francês, que, após estudar Medicina, estudou e atuou com Psicanálise. Concluiu seu doutorado em 1932, com a tese “Da Psicose Paranoica em suas Relações com a Personalidade”. Após a Segunda Guerra Mundial, os conceitos de Lacan passaram a ganhar destaque, por proporem um retorno à Freud.
Durante a trajetória da psicanálise, muitos autores criaram novas correntes, transformando e contribuindo para o estudo neste campo do saber, criando ou expandindo conceitos. Advindos, sobretudo, das experiências clínicas e reflexões sobre como é a estrutura do inconsciente humano, por técnicas psicanalíticas, acerca do que trata esse saber.
Nesse sentido, a obra deixada por Lacan foi umas das maiores contribuições para a Psicanálise, podendo ser considerada um alicerce filosófico, renovando a teoria freudiana e influenciando diversas ciências humanas. Alguns textos de Lacan foram escritos por ele; mas a maior parte da sua obra hoje reconhecida como tal advém dos seus Seminários: “aulas” ministradas por Lacan e depois transcritas como livros por alguns de seus discípulos.
Ainda, vale ressaltar que Lacan se considerava como um comentador de Sigmund Freud, trazendo um retorno às suas ideias.
Nesse sentido, suas importantes contribuições se dão sobretudo na linguística, a afirmação de que o inconsciente se estrutura na forma de linguagem, além das noções de simbólico, imaginário e real.
Ferdinand de Saussure, pai da linguística e precursor do estruturalismo, foi uma influência para Lacan. A psicanálise de Lacan é também vista como uma psicanálise estruturalista (inclusive, é uma conhecida frase de Lacan: “o Inconsciente se estrutura como linguagem”), tendo Lacan devolvido à Linguística também uma grande contribuição, especial para a área de Análise do Discurso.
Lacan é um dos maiores interpretes de Freud. Dizia Lacan a seus alunos: “A vocês compete ser lacaniano; da minha parte, sou freudiano“. Isso reforça a ideia da inspiração lacaniana em relação a Freud. Dizia Lacan (um tanto modesto) que seu único conceito realmente original seria de “objeto a”. Tudo o mais seriam retomadas a Freud.
Neste artigo, traremos 7 fundamentais Conceitos de Lacan.
Índice de Conteúdos
Principais conceitos de Lacan
1. Objeto a
O “objeto a” é uma noção central na psicanálise de Jacques Lacan, sob a qual ele descreve um elemento que está presente na relação entre o sujeito e o outro, e que é responsável por causar o desejo. O objeto a é o que Lacan chamou de “objeto do desejo”, ou o objeto que o sujeito deseja alcançar. Seria a “natureza humana do desejo”, o ato propriamente humano de constantemente desejar.
O objeto “a” (em minúscula) seria um elemento da ordem do desconhecido. Por isso, o objeto do desejo humano não é “ser astronauta” ou “ter uma casa” (estes são objetos nomeáveis), mas um objeto que não sei o que é, um desejo de “a” (ou de “x”).
O sujeito cria sua identidade a partir daquilo que deseja. Por exemplo, alguém pode se definir assim: “meu nome é José e eu desejo ser astronauta”.
Então, nossa mente consciente consegue captar elementos desejados (como “quero ser astronauta” ou “quero ter uma casa”) mas, ainda assim, haveria o desejo em si mesmo inominável. Esse desejo não cessa: quando o sujeito conseguir “ser astronauta” ou “ter uma casa”, desejará outra coisa e outra coisa.
Por exemplo, o objeto de desejo pode ser o amor ou o conhecimento, que são desejados, mas que nunca podem ser alcançados completamente. O resquício do que não se alcança é sempre o objeto “a” e sempre repousa sobre outra coisa, e depois em outra coisa além. O objeto a é frequentemente associado ao desejo inconsciente. O objeto a é o que motiva o comportamento inconsciente, como aquilo que o sujeito deseja, mas que não consegue alcançar.
Em suma, o objeto a é um conceito central na teoria lacaniana. É um elemento presente na relação entre o sujeito e o outro, e que é responsável por causar o desejo. Este desejo é, ao mesmo tempo, desconforto (pelo seu caráter inalcançável) e motivador (por sempre mover nossa ordem desejante para outro lugar). É algo que é desejado, mas não alcançado em sua plenitude, e que é associado ao desejo inconsciente.
2. O Grande Outro
Para Lacan, a noção de grande Outro começa eminentemente com uma descoberta da aproximação entre inconsciente e linguagem. Então, logo nos primeiros seminários, Lacan vai definir o outro como um lugar, um lugar e que não se identifica com esse semelhante, com esse próximo, com esse pequeno outro com quem a gente conversa, é a pessoa com quem a gente está.
Dessa forma, dentre os conceitos de Lacan, o Grande Outro indica como um lugar que traz a marca da lei, que traz a marca da língua, que traz a marca do desconhecido, que é ao mesmo tempo o lugar do impossível e o lugar do desejo.
Por exemplo, uma pessoa filiada a uma ideologia política ou religiosa pode incorporar este Grande Outro como este partido ou religião. Assim, é como se este Grande Outro fosse o seu “ideal de eu”, um superego a reger sua conduta. Isso é internalizado na vida psíquica pela palavra (pelo discurso, que é a palavra aplicada à vida social).
Outro exemplo: uma pessoa extremamente submetida ao pai (ou a um padre, a um pastor, a um professor, a um herói etc.) irá sempre se referenciar se suas palavras, pensamentos e atitudes estão condizentes com este outro ser. Este ser que representa a autoridade (e que define o que é permitido / o que é probido) é o Grande Outro.
Muitas vezes, o tratamento psicanalítico terá por demanda (direta ou indireta) desfazer o desejo do Grande Outro no paciente. Isso será fundamental para que este paciente se encontre com sua própria ordem desejante.
Nesse sentido, o Grande Outro é o lugar daquilo que nos faz dizer “eu sou, eu sei, eu quero, eu posso”. Veja que isso independe de regras ou leis escritas, nem depende necessariamente de punição. É o lugar do outro que é internalizado em nós e que nos orienta em nossas decisões, nos nossos medos e desejos, até na forma com que sentimos e nos relacionamos.
Por fim, vale complementar que em alguns de seus seminários, Lacan chegou a dizer que o inconsciente é o outro, esse outro simbólico, esse outro interno que fala de onde eu recebo a minha própria mensagem. Como, por exemplo:
- sonhos;
- chistes e atos falhos;
- repetições compõem minha vida;
- sintomas; ou seja
- em tudo aquilo que indica que o inconsciente ali está, é o outro.
Isso significa que:
- enquanto o ego e o consciente são o que chamo de “eu”,
- há uma parte nossa que é desconhecida, que seria o nosso outro interno (nosso id e nosso inconsciente).
3. Desejo
Em suma, o desejo é um dos princípios fundamentais dos conceitos de Lacan. Para ele, o desejo é mais que apenas um desejo de algo material, mas também um desejo inconsciente que nos leva a buscar satisfação a partir da realização de nossos desejos e da busca por sentido na vida. Já havíamos iniciado essa reflexão no “objeto a”, que tem tudo a ver com o desejo.
Para a clínica psicanalítica lacaniana, alguns dos aspectos que mais importam nas sessões de análise são:
- entender o desejo do outro (ou do Grande Outro) que está em mim, para saber se isso não é fonte de tensões psíquicas; e
- descobrir o meu próprio desejo, no sentido de constituir uma identidade a partir do que eu quero, e não a partir do que me é imposto.
Portanto, o desejo é visto como o motor da existência humana. É a partir do desejo que as pessoas buscam satisfação, significado e propósito. Assim, Lacan acreditava que o desejo é o que nos motiva a buscar o que queremos e o que nos impede de permanecer satisfeitos com o que temos.
Em outras palavras, para Lacan, o desejo é um fenômeno subjetivo que é afetado pelas condições culturais, econômicas e psicológicas. Assim, a busca do desejo é a busca da satisfação e, portanto, é fundamental que se compreenda a própria ordem desejante para que possamos encontrar o nosso propósito na vida e a felicidade.
4. O nome-do-pai
Pode ser descrito como um símbolo que se relaciona com a noção de paternidade, autoridade e limites. É visto como um mecanismo que nos ajuda a nos identificar como sujeitos.
Para Lacan, o nome-do-pai é uma das formas mais evidentes e efetivas com que o Complexo de Édipo se concretiza nas relações humanas.
Ou seja, é a primeira imposição do desejo do outro (do pai) sobre o desejo do “eu” (o filho):
- O sobrenome (em francês, nom de famille): se o filho se chama “José Silva”, o “Silva” seria um significante que inscreve este filho na herança de seu pai. Esse sobrenome representa um “direito” (como uma “propriedade”) que o pai teria sobre o filho.
- O nome (em francês, prénom): ao mesmo tempo, “José” é também uma escolha do pai (claro, eventualmente pode ser também da mãe). Em qual discurso este nome “José” está inscrito? Da religiosidade bíblica? Em qual ideal de eu o pai se embasou para batizar o filho assim?
Jacques Lacan descreve o Nome-do-Pai como uma representação de autoridade e um signo da paternidade. É, também, um elemento básico para o desenvolvimento da personalidade do sujeito. O conceito foi originalmente desenvolvido para explicar as ligações entre a identidade e as relações de poder dos pais sobre os filhos.
Nesse sentido, Lacan acredita que o Nome-do-Pai é fundamental para o estabelecimento de limites sociais e pessoais, o que permite o desenvolvimento de um senso de individualidade.
Para Lacan, é a confirmação de que o complexo de Édipo surge com o nascimento da nova pessoa. O Nome-do-Pai é edípico porque é a imposição do desejo do pai sobre o desejo do filho (este, por sinal, ainda nem pode desejar, mas quando puder será lembrado que seu pai lhe determina seus desejos).
É algo que inscreve esta nova pessoa em um contexto cultural institucionalizado, uma marca inicial e essencial do sujeito (e do seu assujeitamento), que se dá na materialidade da linguagem (pela palavra).
Ou seja, para Lacan, o Nome-do-Pai é uma comprovação material (a palavra que pode ser escrita e ouvida) do complexo de Édipo.
A ideia do nome-do-pai é também a interdição ao desejo da mãe, falando da sua função materna de possibilitar a existência da criança, diante do seu desejo que que possibilita existir e continuar existindo.
Dentre os conceitos de Lacan, esse é usado uma ferramenta para ajudar a compreender a formação da identidade e a relação entre pais e filhos e o surgimento dos conflitos edípicos.
5. Sujeito suposto saber
O conceito lacaniano de Sujeito Suposto Saber indica o status (ou “aura”) que o analisando atribui ao seu analista. É o lugar em quem o analisando ou paciente designa para o seu (psic)analista. O psicanalista é inserido em uma posição em que o analisando acredita que, na verdade, o analista sabe tudo e tem as ferramentas para sua “cura”.
Ou seja, como o próprio conceito já diz, o analisando acredita que o analista é o “saber”, um “sujeito de saber“. Mas este saber não é pleno, é uma suposição (por isso, suposto saber) atribuído pelo analisando.
Assim:
- No início do tratamento em psicanálise, essa atribuição do analisando é importante, porque lhe permite buscar tratamento e confiar no vínculo que vai estabelecer com o analista;
- No final de um tratamento bem-sucedido, o analisando (já com seu ego mais fortalecido e com mais sintonia com sua ordem desejante) irá realizar a chamada destituição subjetiva: com uma perlaboração sobre si já internalizada, o analisando não verá mais o analista neste “altar” do suposto saber.
Dessa forma, sujeito suposto saber é um movimento transferencial importante, em que se estabelece uma confiança entre analisando e psicanalista.
Ao final do tratamento, o sujeito suposto saber é uma ilusão que tem que ser desmantelada para que o analisando possa ter o acesso necessário à sua ordem desejante e, assim, encontrar o caminho mais autônomo em direção a um estado psíquico de menor tensão e maior realização.
6. Real x Imaginário x Simbólico
Em suma, são três categorias fundamentais para a Psicanálise Lacaniana.
Sabemos que Freud propôs duas tópicas ou constructos teóricos:
- Primeira tópica ou teoria topográfica: as instâncias psíquicas são inconsciente, pré-consciente e consciente.
- Segunda tópica ou teoria estrutural: as instâncias psíquicas são id, ego e superego.
Ambas as tópicas freudianas são tripartites, ou seja, são formadas por três partes.
A contribuição teórica de Lacan é tão grandiosa que se costuma dizer que seja de Lacan a Terceira Tópica da Psicanálise, igualmente tripartite, a saber, real, imaginário e simbólico.
Mario Antonio Coutinho Jorge (em “Fundamentos da Psicanálise: De Freud a Lacan”; RJ: Zahar, 2000), estabelece a seguinte compreensão:
- Real = não sentido, lugar do ser. Se apenas fôssemos e não pensássemos em nossa existência, estaríamos inscritos apenas na dimensão do real. O real é aquilo que atravessa nossa psique, mas que não é formulado em palavras específicas. Seria algo da ordem do mundo físico ou, no máximo, como percebemos tal mundo. Não por acaso alguns autores relacionam o real lacaniano ao id freudiano.
- Imaginário = sentido, lugar do eu. O imaginário é o lugar do “eu”. Por isso, o imaginário lacaniano é muitas vezes associado ao ego freudiano. É o lugar do sentido (de “um” sentido): afinal, o “eu” se firma a partir do significado que atribui a si e ao mundo exterior, o lugar de suas ideias, crenças, resistências.
- Simbólico = duplo sentido, lugar do sujeito (ou: múltiplos sentidos). O simbólico é o lugar do discurso e da formação dos sujeitos. O discurso é quando a linguagem é atravessada pela dimensão das produções sociais dos sentidos. O discurso é um conjunto de conceitos de uma formação discursiva, a forma como um agrupamento humano organiza suas conceitualizações, seu universo simbólico. Por isso, fala-se em “discurso de direita”, “discurso de esquerda”, “discurso religioso” etc. A discursividade demanda a interação entre psiques diferentes, dentro de um contexto social. Isso se dá pela linguagem e na linguagem. Dentro dos discursos, há também divergências, disputas de sentidos (portanto, o “duplo sentido”). E, claro, o lugar de maior produção de duplo sentidos é na interdiscursividade, ou seja, a fronteira em que dois discursos se tocam. Exemplo: quando diferentes visões de mundo definem o significante “terra”. Vê-se que a linguagem não é apenas um meio de comunicação. É algo muito mais sério e profundo: é o discurso em que os sujeitos se constituem, é o discurso sem o qual o sujeito (e assujeitado) não poderia existir. Por haver a dimensão do social, há quem compare o simbólico lacaniano com o superego freudiano.
7. Foraclusão
A foraclusão é um dos principais mecanismos de defesa utilizados pelo psiquismo para lidar com o sofrimento psíquico originado pelo desenvolvimento de uma psicose. É um mecanismo de defesa inconsciente que leva o indivíduo a recusar ou negar a realidade da psicose.
Desse modo, o indivíduo acaba se recusando a aceitar a existência de sintomas, comportamentos, pensamentos e sentimentos dolorosos que são característicos de um quadro psicótico. É importante destacar que a foraclusão psicótica torna mais difícil que a pessoa acometida aceite a realidade dos sintomas e busque tratar adequadamente sua condição patológica.
Isso é muito difícil, pois:
- Se o sujeito soubesse que tem sintomas, estaria se olhando “de fora” e permitindo uma autocrítica, um “autoconhecimento”. Seu “eu” se colocaria na condição de paciente (ou analisando) e conseguiria, no tratamento psicanalítico, compreender gradualmente sua condição da sua parte psíquica doente. Esta seria a condição das neuroses (como fobias, histerias, obsessões), que são as psicopatologias consideradas mais típicas em relação às quais a psicanálise melhor poderia atuar.
- Porém, quando ocorre a foraclusão, o sujeito se identifica nos próprios sintomas, ou melhor, o sujeito considera que não tem sintoma nenhum. Assim, o lugar do “eu” deste sujeito é o próprio lugar do seu “outro”, não havendo uma âncora a partir da qual ele possa fazer uma autoavaliação ou autocrítica pelo discurso (linguagem). Esta condição é típica na psicose (com as manifestações de paranoia e esquizofrenia), cujo tratamento com psicanálise é considerado mais difícil.
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2 thoughts on “Conceitos de Lacan: 7 ideias fundamentais”
Um dos melhores textos que já li definindo conceitos de Lacan! Ficou tudo bem mais acessível e contextualizado.
Ficou muito bom comentário, de fácil entendimento. Parabéns!