Vamos compreender a história da depressão, de Hipócrates e Aristóteles, passando pela Idade Média, pelo romantismo, até os dias atuais. A Depressão, etimologicamente falando, é uma palavra latina e significa abatido ou aterrado. A pessoa com sintomas depressivos fica aterrorizada diante de tudo, é como uma grande represa de negatividade, onde o pensar, o agir e o sentir não valessem nada.
Bem apontam as estudiosas Elzilaine Domingues Mendes e Terezinha de Camargo Vieira:
“Assim como a melancolia tornou-se uma patologia predominante no século XIX, a depressão tornou-se a forma de expressão do mal-estar nos dias atuais. O sofrimento psíquico manifesta-se atualmente sob a forma de depressão (Birman, 2007; Berlinck, 2008; Edler, 2008; Kehl, 2009; Roudinesco, 2000).” (MENDES, VIEIRA E BARA, 2014, p. 1).
A depressão é uma realidade, tanto que ela é chamada mal do século. Ela atingiu dezenove por cento da população mundial, conforme os dados da OMS, organização mundial de saúde. Sendo assim, em cada cinco pessoas, uma tem depressão.
No Brasil, calculam-se doze por cento de pessoas com traços depressivos.
A depressão na antiguidade
O primeiro a sistematizar as ocorrências melancólicas e iniciar o caminho sobre a história da depressão, no mundo ocidental, foi Hipócrates, pai da medicina, século IV a. C.
Como bem acentua Lúcia Monteiro: “Ele cunhou o nome melancolia a partir de duas outras palavras: mêlas= negro e Kholê= bile. Melankholia significa portanto “bile negra”, segundo ele, um dos 4 humores que constituem o corpo humano- os outros seriam a bile amarela, o sangue e a fleuma.
Teoria dos 4 humores de Hipócrates:
- Melancolia: bile negra, origem no baço;
- Bile amarela: origem no fígado;
- Sangue: origem no coração;
- Fleuma: origem no sistema respiratório.
No texto intitulado Da Natureza do Homem, Hipócrates ( ou seu genro Polibeu, não se sabe ao certo) estabelece uma correspondência entre os 4 humores, as 4 estações do ano e as 4 características fundamentais da matéria (quente, fria, seca e úmida).
A cada um dos humores ele relacionou um sintoma psicológico. Em seu estado normal, o homem teria os 4 bem equilibrados. O problema se daria em casos de excesso de um ou de outro.
- Bile amarela demais causaria um temperamento raivoso,
- da mesma maneira que a bile negra em abundância provocaria a depressão.
Aristóteles: Melancolia e Depressão na História
“Se a tristeza e a angústia não passam, o estado é melancólico”, disse Hipócrates em seus Aforismas” (MONTEIRO, 2017).
A melancolia, uma neurose narcísica, perpassou por estudos médicos e filosóficos, tanto que o filósofo Aristóteles intitulou a melancolia como o estado proveniente da bílis negra.
Somente os homens, de acordo com Aristóteles, sábios é que possuíam características melancólicas: filósofos, poetas, políticos, matemáticos, em síntese, todo homem de exceção era detentor da melancolia, dotado de especial poder imaginativo.
O filósofo compreendia a melancolia como um atributo patológico e desejável.
História da depressão no século XIV: Tomás de Aquino
No século XIV, a fraqueza mental, acédia, é conectada com a melancolia.
Com isso, corpo e alma são relacionados, pois o diabo, no pensamento medievo, age ardilosamente por meio da dúvida e pensamentos incrédulos.
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A Idade Média entendia a melancolia como o enfraquecimento da vontade. Em todo o ocidente medieval, a definição que impera é a do frade dominicano são Tomás de Aquino (1227-1274), grande filósofo do cristianismo.
Para ele, trata-se de “uma tristeza devastadora, que produz no espírito do homem uma depressão tal que ele não tem mais vontade de fazer nada. A acédia é um desgosto pela ação” (MONTEIRO, 2017).
O Ocidente Médio, digamos assim, constituiu uma nova etimologia para o termo melancolia, quer dizer, uma carga negativa foi arquitetada. Seu significado foi direcionado para o que é mal ou doente.
“Ora, não haviam muitas opções. Ou escondia o pecado, ou rezava para tentar banir o abominado sentimento de sua alma” (MONTEIRO, 2017).
O homem medievo não tinha uma sistematização acerca da melancolia, ele não tinha muito o que fazer com o sentimento melancólico. As orações e pedidos a Deus eram o caminho mais profícuo para a época. “Antes mesmo do fim do século XVI, há uma desmistificação dos prestígios relacionados à melancolia” (MENDES, VIEIRA E BARA, 2014, p 2).
Como era tratada a depressão antigamente?
Os males e consequências da melancolia começam a ser dissecados, tanto que ela é apontada como traços patogênicos e necessária para tratamento. No estudo sobre a história da depressão, vemos que genialidade e imaginação são dissociadas da melancolia, ela não é mais tida como uma característica original, mas um mal.
“A melancolia só daria a volta por cima no século 19. Na Inglaterra dessa época, o prato mais pesado da balança é o da visão positiva: a moda elizabetana manda vestir preto e o spleen é um atributo essencial do romantismo” (MONTEIRO, 2017).
No entanto, o advento da Renascença é marcado pelo retorno dos autores Platão e Aristóteles. “De acordo com Földényi (2012) para Platão o delírio está associado ao poder divino” (MENDES; Vieira, 2014, p. 2).
A melancolia é o acesso para Deus, o escolhido tem passagem para o outro mundo, sendo capaz de desvendar o futuro dos homens. Ela tem seu significado reformado a partir do século XIX.
Depressão na História: a mudança do século XIX
O sentimento entendido como fraqueza mental é visto como glamour e vislumbre romântico. Apesar de todo peso psíquico, a literatura romântica e inglesa via os traços melancólicos como fontes lúcidas e cristalinas de produções literárias, ou seja, a dor produz arte.
O pensamento romântico e melancólico influenciou vários escritores de outros países. “O tuberculoso e taciturno Álvares de Azevedo (183-1852), autor de A Lira dos Vinte Anos, é o escritor brasileiro que melhor incorpora a linha” (MONTEIRO, 2017).
Os escritores melancólicos traziam em seus escritos, palavras que apontavam para o estilo melancólico:
- morte,
- tempestade,
- anoitecer,
- sono eterno etc.
“No século XIX, com a instauração do saber psiquiátrico, a melancolia é associada à doença mental” (MENDES, VIEIRA E BARA, 2014, p. 3).
O nascimento da psiquiatria proporcionou um estudo mais aprofundado acerca dos sintomas da melancolia. Ela foi apontada como um delírio parcial, com tendências voltadas para a tristeza. Melancolia é tida como um estado de tristeza, uma alienação mental, de acordo com a psiquiatria do século XIX.
“Esquirol (1838) propõe o termo monomania que designa um estado anormal da sensibilidade física ou moral, com um delírio circunscrito e fixo” (MENDES, VIEIRA E BARA, 2014, p. 3).
Os médicos passam a olhar para a melancolia como uma doença que precisa ser mapeada e tratada. Poesias e filosofias não mais preenchem tal dor humana.
“Para Esquirol, a monomania é mais frequentemente de origem hereditária, sendo fortificada pelos vícios da educação, e também por causas morais (Clair, 2005)” (MENDES, VIEIRA E BARA, 2014, p. 3). Isto é, as fontes hereditárias e culturais são apontadas como gatilhos para a melancolia.
Esse fato marca o início da substituição, e consequentemente, confusão dos termos melancolia e depressão.
A diferenciação com a melancolia
De acordo com Berrios (2012), o que facilitou a remodelação da melancolia e a predominância do conceito de doença depressiva foram os estudos de Esquirol (1805, 1838) que ao fazer a distinção entre melancolia e depressão, enfatizou a natureza afetiva primária da doença. Ainda segundo Berrios (2012), a palavra depressão já aparece nos dicionários médicos em 1860. (MENDES, VIEIRA E BARA, 2014, p. 3).
Sigmund Freud fez um distanciamento entre melancolia e depressão.
- A melancolia está ligada com a ausência de desejo sexual, enquanto a segunda está próxima de uma neurose constituída por angústia. O sujeito melancólico está perdido em seu objeto, uma perda narcísica, ausência do eu.
- A depressão brota de um dado evento traumático e real, ocorre o desinteresse pela realidade. O desinteresse acontece pelo fato da elaboração tencionar toda energia psíquica para ela, com o objetivo de solucionar o trauma.
“Assim como a melancolia foi uma forma de expressão do mal-estar no século XIX, a depressão tem sido considerada o mal-estar do século XXI” (MENDES, VIEIRA E BARA, 2014, p. 7). O mal estar do século XXI seduz o indivíduo para uma vida individualista e de descompassos sociais.
Entender e manifestar a depressão ao longo da história
A depressão é um sentimento difícil de explicar, ela fica cravada com força na alma humana.
Uma pessoa pode ter tudo e, entretanto, sente um profundo vazio em seu interior. Sentir o vazio é pensar que a existência não tem sentido, mesmo quando o ambiente mostra exatamente o contrário.
A depressão é um vazio que fere a arquitetura emocional, e se essa ferida não for curada em tempo, poderá complicar o existir da pessoa que está acometida por sintomas.
Existem indivíduos que tentam preencher esse vazio com amor, com comida, com álcool, enchendo a sua agenda social, dedicando mais tempo às coisas que gosta ou descontando na academia. Sentem-se derrotados, não querem pensar, suas forças se enfraquecem.
Se tivessem que escolher um adjetivo para definir o vazio, seria insuportável. O vazio é insuportável porque é incompreensível, porque tudo nos faz lembrar que sentimos uma necessidade de alguma coisa que não conseguimos determinar o que é.
Manifestar essa carência é tão difícil para quem a sente quanto para quem é informado sobre ela. É um sentimento complicado de explicar e de entender. Faz-se necessário buscar respostas na ciência, na psicologia, nas ciências sociais, etc.
Sendo assim, depressão não é uma caminhada fácil, suas sensações não são poucas:
- insônia,
- irritabilidade,
- falta de sentido na vida,
- desejo de morrer,
- falta de motivação,
- angústia,
- sentimento de desesperança etc.
No mundo, a depressão está em quarto lugar como doença, ela só fica atrás das doenças cardíacas.
A história da depressão: nosso século XXI
Enfim, cada época produz seus sintomas, no entanto o ser humano está imerso em uma sociedade de consumo, onde a mesma apresenta performances para o ente seguir:
- sucesso na carreira,
- corpo perfeito e jovial,
- marcas e modas que precisam ser usadas;
- alcances materiais conforme os ditos do mercado, etc.
A sociedade não é uma grande referência estável, em outras palavras, ela muda continuamente e a pessoa precisa acompanhar, ser parte dos cenários constituídos pelos paradigmas sociais.
Séculos anteriores, as referências eram mais sólidas, duráveis: referência de família, de pai, mãe, filho, trabalho e outros. As referências atuais, além de serem perenes, elas são internas, isto é, cada um tem a sua decisão. Antes estavam no lado externo do sujeito, a pessoa, conforme a referência, constituía suas decisões diante de alguma situação.
A contemporaneidade exige que a decisão precisa vir da própria pessoa, ela é a dona do contexto, ela tem que discernir entre o bem e o mal. E com o advento da pós- modernidade, onde tudo é válido de crítica, a dimensão da solidão se tornou uma realidade, ou seja, cada um com seus princípios e decisões.
A ideia do bem comum foi banida com o advento da demolição das referências estáticas. E com tal entendimento, seres humanos vão sendo constituídos com o peso da nulidade, assim dizendo, pessoas esvaziadas de sentido ou sem papel no sistema social.
Ainda mais: os discursos sociais tencionam o indivíduo a cada vez mais ter e não ser, o homem é medido pelo o que ele tem e não o que ele é. É uma maneira de ver o mundo cada vez mais impresso e preocupante. Porque essa maneira institucionalizada de ver as coisas e as pessoas torna o indivíduo instituído de textos de descrenças: nada é válido, tudo passa, o que importa é o exterior.
E todos esses constitutivos sociais são elaborados com a finalidade de evitar o sofrimento, em outras palavras, o ser humano não quer enfrentar a tristeza e suas dimensões. A tecnologia está cada vez mais ampla, com o objetivo de afastar o ser humano dos males que o assombram: envelhecimento, dor, finitude e outros aspectos.
O homem tem baixa tolerância ao sofrimento, ele idealiza uma vida sem dor, mas é algo impossível. Com uma realidade cada vez mais superficial, a pessoa não consegue mais simbolizar a sua dor, suas energias são todas gastas e, fatalmente, sintomas emergem de sua psique e os mesmos culminam para a depressão.
Os cuidados com a depressão atualmente
A saúde mental na contemporaneidade é uma área de grande importância e trato.
O alimento é o primeiro cuidado contra a depressão: frutas, grãos integrais, vegetais, laticínios com baixo teor de gordura contribui para a prevenção dos traços depressivos. Alimentos gordurosos e saturados, frituras precisam ser evitados para combater à depressão.
Outro caminho necessário para ter uma vida saudável é o sono. Ter um horário para dormir e acordar é de vital importância, ele auxilia no ciclo fisiológico do organismo.
As práticas de exercícios físicos também são muito bem-vindos, eles podem ser feitos três vezes durante a semana. O exercício libera a substância chamada endorfina, o hormônio do prazer. O fortalecimento dos músculos contribui para o contato entre os neurônios, ou seja, eles processam as emoções positivas e negativas. Sendo ativados, eles elevam o prazer e interesse daquilo que a pessoa gosta.
Outro caminho para o cuidado da mente é fazer coisas que dão prazer, o que a pessoa gosta ou se sente feliz. Uma boa leitura, hobby, viagem, amigos, ouvir uma boa música, aprender coisas novas, em síntese, a busca pela felicidade pessoal.
Psicoterapias, ações medicamentosas também são frutuosas diante da depressão. Com a terapia, a pessoa compartilha suas dores com o outro, divide suas cargas com um segundo, com o terapeuta. O apoio é uma ferramenta de grande valia para manter a mente saudável e tranquila.
Os remédios também têm suas contribuições. Hoje a medicina oferece uma gama de auxílios para os transtornos depressivos. Os mesmos remodelam o emocional e trazem uma nova perspectiva para a pessoa.
Posto isto é muito importante o indivíduo procurar um psiquiatra para dar as orientações necessárias para o tratamento contra a depressão. Finalmente, há inúmeros trajetos que levam para o combate à depressão, ela é uma realidade e que precisa ser tratada com seriedade.
Referências Bibliográficas sobre a História da Depressão
MENDES, VIEIRA E BARA. Melancolia e Depressão: Um Estudo Psicanalítico. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa. V. 30, n° 4, p. 423- 431, 2014.
MONTEIRO, Lúcia. Depressão: ou você tem ou você pode ajudar quem tem. Disponível em: https://super.abril.com.br/depressao/. Acesso em janeiro de 2021.
Psicanálise como terapia: depressão? Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-depressao/. Acesso em janeiro de 2021.
SILVA, Valmir Adamor da. A história da loucura: em busca da saúde mental. Janeiro: Tecnoprint, 1979. 227 p. , il.
O artigo sobre a história da depressão, o contexto histórico da depressão, as formas de entender e tratar a depressão antigamente, a relação entre melancolia e depressão, bem como o que se sabe sobre a depressão atualmente, foi escrito para o blog Psicanálise Clínica por Artur Charczuk ([email protected]), pastor luterano e psicanalista em formação no estado do Rio Grande do Sul – RS.
2 thoughts on “História da Depressão: da antiguidade até hoje”
Eu gostaria de dar os parabéns para o psicanalista Artur. Um texto elucidativo e atualíssimo, como é importante o cuidado com a depressão. Parabéns!
Muito bom, gostei do testo. Eu gostaria do contato do psicanalista Artur obrigado