representação

Representação: significado em psicanálise e psicologia

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O termo representação é polissêmico, tem muitos sentidos e possibilidades de usos. Foi usado por Freud em diferentes contextos, e também por outros psicanalistas. Se você quer entender o que significa representação para Freud, o primeiro passo é entender em qual trecho do texto freudiano que o termo ocorreu, pois a forma como Freud usava o termo era bastante distinta. Há também que se ver a problemática de tradução: o que, em português, denominamos “representação” tinha nomes diferentes no texto original de Freud, em alemão.

Apesar de toda essa problemática, neste artigo vamos trazer cinco definições de representação para Freud. Ou seja, cinco formas diferentes com que Freud usou o termo, em diferentes partes de sua obra.

Antes, o que significa representação, sem pensarmos especificamente em psicanálise ou psicologia?

Pode-se entender representação como um processo de substituição que coloca uma coisa (representante) no lugar de outra (representada).

Em muitas áreas das ciências humanas existe a questão:

  • é possível alcançar a “própria coisa” representada (aspecto objetivo)?
  • ou temos acesso somente ao representante como sendo a coisa tangível e que teria mais valor à análise (aspecto subjetivo, muito presente na análise do discurso, na linguística, na literatura)?

Especificamente em Freud, vamos destacar cinco ideias sobre o que é representação. Vejamos.

Representação no sentido geral

Para Freud, representação é um mecanismo que faz parte das primeiras explicações sobre as psiconeuroses. Então, se você está lendo a obra de Freud neste contexto, se não houver uma especificação a respeito, será provavelmente neste sentido geral que Freud estará usando o termo.

Por exemplo:

  • na histeria, a representação é aquilo que foi recalcado (como um trauma),
  • e sua energia é simbolizada (convertida) em outra coisa, num representante, como os sintomas corporais (Laplanche & Pontalis, p. 448).

Este seria um sentido geral de representação para este contexto das psiconeuroses.

Veja este trecho de Freud em “As neuropsicoses de defesa”:

Quando alguém com predisposição à neurose carece da aptidão para a conversão, mas, ainda assim, parece rechaçar uma representação incompatível, dispõe-se a separá-la de seu afeto, esse afeto fica obrigado a permanecer na esfera psíquica. A representação, agora enfraquecida, persiste ainda na consciência, separada de qualquer associação. Mas seu afeto, tornado livre, liga-se a outras representações que não são incompatíveis em si mesmas, e graças a essa “falsa ligação”, tais representações se transformam em representações obsessivas.

Pode-se entender afeto como uma energia psíquica incômoda, na definição de Laplanche & Pontalis. Neste trecho, Freud diz que, se esta energia não encontra um sintoma como representante (para este afeto converter-se no “corpo”), então pode buscar um outro tipo de representação psíquica: pelo deslocamento em outra coisa (como uma obsessão).

Diz-se que a neurose obsessiva surge como uma “histeria de defesa” ou uma psiconeurose de defesa, decorrente da impossibilidade de resolver um afeto conflitivo. Então, para este afeto não ficar sem uma “vazão”, busca representar-se numa obsessão, para sua “descarga” ao menos parcial.

Laplanche & Pontalis entendem que, na obra inicial de Freud (Estudos sobre a histeria), “afeto” estaria ligado a uma quantidade de energia em um “estado penoso ou desagradável, vago ou qualificado”, um aspecto negativo, portanto.

O afeto seria uma quantidade de energia que volta como um “incômodo”. Este afeto, especialmente na obra de início de Freud, estaria associado a um evento traumático, por exemplo gerando sintomas:

Veja que, nos três casos acima, o elemento recalcado constrói sua representação a partir de representantes no corpo ou na psique do sujeito. A tarefa da terapia psicanalítica seria a compreensão desses eventos e comportamentos inconscientes para uma representação mais adequada e com menor tensão psíquica ao sujeito.

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    Na teoria de Freud sobre a histeria, seria preciso evocar a recordação da situação que gerou o trauma, para desvincular o evento (trauma) do afeto (que gera o sintoma). Ou seja, entender a origem do incômodo como ligado a uma situação original traumática (rememoração) seria a condição para a eficácia terapêutica.

    Em muitas ocorrências, o significante “representação” em Freud pode tomar outros significados, mais ou menos livres e contextuais. Vejamos a seguir outros usos da palavra.

    Representações inconscientes

    Para Freud seriam os traços mnésicos (ou traços de memória). Na filosofia clássica, há o uso de representação mais ou menos neste sentido que Freud usou, a saber, a representação subjetiva de cada objeto, de acordo com o que se “inscreveu” nos sistemas mnésicos do sujeito observador.

    Isto é, a forma diferente com que cada sujeito é marcado por uma experiência, de modo a ser questionável se aquele fato ou objeto realmente “existiu”, ou se existiu da forma como foi lembrado (Laplanche & Pontalis, p. 449).

    Representação-meta

    Trata-se da ideia freudiana de que as representações não são casuais (por acaso), mas possuem algum vínculo causal (de causalidade, ou causa-efeito).

    Não é pura aleatoriedade que, por exemplo, um paciente associe “rato” ao sintoma “ansiedade”. Há que se verificar quais os fatores da representação individual (e também coletiva) que motivam esta associação.

    Como cada psique é única, uma mesma associação provavelmente não se formará da mesma forma em sujeitos diferentes. Quando há razão para uma dor psíquica, os mecanismos defensivos querem evitar a representação-meta mais profunda e dolorosa, oferecendo um aparente esquecimento ou uma representação superficial no lugar (como uma racionalização).

    A ideia de que as representações não são aleatórias e que a representação-meta continuará lá no inconsciente (gerando sintomas etc.) fundamenta o próprio método psicanalítico da associação livre.

    No método psicanalítico, está embutida a crença de que

    • há uma censura que veda o acesso consciente às associações profundas mais dolorosas;
    • em terapia, mesmo que o analisando fale livremente,
    • seus processos psíquicos irão encontrar vínculos associativos talvez inicialmente superficiais,
    • mas que poderão ser gradativamente mais relevantes e profundos,
    • resultando numa compreensão dos eventos traumáticos e/ou concepções essenciais para a compreensão do universo psíquico do analisando.

    E a busca pela representação-meta seria quem guiaria este percurso em busca de uma “verdade” terapêutica.

    Segundo Freud:

    “Cada vez que um elemento psíquico é ligado a outro por uma associação incômoda ou superficial, estabelece-se entre os dois um vínculo natural e profundo submetido à resistência da censura. As associações superficiais dominam por causa da pressão da censura e não por falta de representações-meta. Na figuração, as associações superficiais substituem as profundas quando a censura torna essas vias normais impraticáveis. É como quando uma inundação torna as boas estradas da montanha inutilizáveis: continua-se a circular, mas pelas trilhas escarpadas e incômodas que em geral só os caçadores usam.”

    Representação de palavra e Representação de coisa

    Além das ideias acima, uma diferenciação importante que Freud fez foi entre representações de palavra e representações de coisa (Laplanche & Pontalis, p. 449).

    Esta diferenciação é originária dos estudos de Freud sobre afasia (“Sobre a concepção das afasias”, 1891):

    Representações de coisa

    São essencialmente visuais. Freud disse que “a representação de coisa consiste num investimento, se não das imagens diretas da memória da coisa, pelo menos de traços de memória mais remotos e derivados delas“.

    Em outras palavras, esta representação de coisa não implica uma memória exata do que é a “coisa em si”, às vezes nem mesmo de uma imagem de uma experiência direta que o sujeito teve com a coisa, mas principalmente em:

    • traços de memória que o sujeito tem da coisa e
    • derivações sobre o que a coisa significa para o sujeito.

    Por exemplo, uma representação sobre “pato” não é a exata imagem de um pato, mas traços de memória que o sujeito guarda sobre “o que é um pato” e sobre as associações simbólicas que “pato” lhe suscita, suas experiências de vida relacionadas a “pato”, os traços semânticos que esta palavra lhe mobiliza etc.

    Representações de palavra

    São essencialmente acústicas. Segundo Laplanche & Pontalis, a representação de palavra para Freud envolve:

    • a verbalização da palavra (principalmente falada ou ouvida, mas possivelmente também escrita ou lida) e
    • a tomada de consciência.

    A ligação entre representação de palavras e representação de coisas estaria acessível no nível consciente e na passagem do pré-consciente ao consciente. Ou seja, no sistema consciente (e na passagem do pré-consciente para o consciente) conseguimos associar coisas e palavras, formar conceitos e estabelecer associações mais nítidas.

    Já o sistema inconsciente apenas alcançaria as representações de coisa. Coisas que estão lá no inconsciente, mesmo que não nomeadas e não muito bem “demarcadas”.

    Segundo Freud: “a Representação consciente engloba a representação-objeto [representação-coisa] mais a representação-palavra correspondente, enquanto a representação inconsciente é apenas a representação-objeto [representação-coisa]”.

    Assim:

    • Representação consciente: representação de coisa + representação de palavra.
    • Representação inconsciente: apenas representação de coisa.

    Há em Freud a ideia de que associar uma fala (representação de palavra) a imagens mnésicas (representação da coisa) faria com que algo mudasse de qualidade, passando ao nível de consciência.

    Daí a ênfase da Psicanálise em valorizar:

    • a palavra, a fala, a escuta,
    • a associação livre, a atenção flutuante e
    • as diversas formas de “erro” (como os sintomas, os chistes, os atos falhos, os sonhos).

    Estes seriam caminhos para encontrar traços de memória que possam ser associados a outros e elaborados como “palavra/fala” no nível consciente.

    Para Freud, como exceção, na esquizofrenia e nos sonhos a representação de palavra é elaborada diretamente a partir do inconsciente.

    Segundo Freud (1917), “quando as representações de palavra pertencentes aos resto diurnos são resíduos frescos e atuais de percepções, e não expressão de pensamentos, são tratadas como representações de coisa”.

    Concluindo: sobre o conceito de Representação

    Neste artigo, tratamos de cinco ideias de Freud sobre representação:

    • Representação no sentido geral
    • Representação-meta
    • Representações inconscientes
    • Representações de coisa
    • Representações de palavra.

    Dentre as entradas do “Vocabulário de Psicanálise” de Laplanche & Pontalis, temos também as definições de “representantes”:

    • Representante da pulsão
    • Representante psíquico
    • Representante-representação.

    A ideia de representante é um pouco similar ao conceito linguístico ou semiótica de signo: a junção significante + significado que é colocada no lugar de outra coisa, ou seja, está como representante dela, não sendo ela.

    Sobre estes três conceitos de “representante”, falaremos em uma nova oportunidade.

    Este artigo sobre o significado de representação foi escrito por Paulo Vieira, gestor de conteúdos do Curso de Formação em Psicanálise Clínica.

     

    One thought on “Representação: significado em psicanálise e psicologia

    1. Mizael Carvalho disse:

      Muito bom texto! Esse assunto, desperta-nos cada vez mais o interesse pela Psicanálise!

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