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Filme Cisne Negro (2010): análise psicológica do filme

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Este artigo propõe uma breve análise psicológica e psicanalítica do filme Cisne Negro (Black Swan), produzido em 2010 e lançado em 2011.

O filme é dirigido por Darren Aronofsky, mesmo diretor de Requiem para um sonho. O roteiro é atribuído a Mark Heyman e John J. McLaughlin. O elenco conta com Natalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel e Winona Ryder.

Nina (Natalie Portman) é uma bailarina que tem uma grande obsessão pela dança. Quando a bailarina Beth MacIntyre (Winona Ryder), a primeira bailarina da companhia de ballet, está perto de se aposentar, Nina é escolhida como bailarina principal de “O Lago dos Cisnes”. A concorrente de Nina é outra bailarina, Lilly (Mila Kunis): colocam-se como rivais. Este confronto entre as duas bailarinas (Nina e Lilly) se transforma em uma amizade distorcida, e o lado obscuro de Nina começa a aparecer.

O filme Cisne Negro é uma oportunidade para refletir sobre inúmeras temáticas, tais como: obsessão, paranoia, (auto)agressividade, o duplo, o outro e a constituição do sujeito na/pela família pelas perspectivas freudiana e winnicottiana.

Ideias psicanalíticas do filme Cisne Negro

Não trabalharemos um resumo cena a cena do filma, mas sim algumas ideias que ajudarão você a ver o filme com outros olhos.

Entre o prazer e a realidade

Não há como não mencionar a obra Princípio do prazer e princípio da realidade (Sigmund Freud). Está presente no filme uma ideia de um conflito entre a dimensão do id que impulsiona para o prazer e a satisfação imediata do desejo, versus as demandas da realidade, especialmente nas obrigações impostas pela mãe de Nina.

O duplo e a ambivalência no filme Cisne Negro

A temática do duplo é muito importante para a psicanálise, desde Freud. O filme aborda estas temáticas do duplo na oposição entre cisne branco e cisne negro. O filme traz a impossibilidade de pureza. O sujeito é dividido: é uma posição instável que vai se estabilizando na relação com os outros e com as afirmações em grande parte inconscientes de sua psique.

Branco e Negro como lados opostos de uma personalidade convivem na psique humana de Nina. A ambivalência está presente em todo o filme. Isto é, o convívio entre sentimentos opostos, como amor e ódio, prazer e obrigação, viver e morrer.

A alteridade e o sadomasoquismo

Da mesma forma que o duplo, está colocada a temática da alteridade. Aquilo que odiamos no outro pode estar sinalizando nosso desejo: por isso talvez Nina se aproxime de Lilly, e o cisne branco não pode mais viver sem o seu duplo, o seu outro: o cisne negro.

Tanto existe o outro que a agressividade de Nina a princípio é contra sua rival (Lilly), mas depois se torna autoagressividade. Isto é um sinal dado pelo filme de que muitas vezes não é tão fácil diferenciar o que é “eu” e o que é “outro”.

Este convívio com o outro não é harmônico. Por haver a ambivalência: amor e ódio convivem. Neste sentido, vemos no filme Cisne Negro a recorrência de temáticas sado-masoquistas no convívio entre personagens.

O sadomasoquismo é uma forma de parafilia ou perversão que exemplifica bem a ambivalência: a convivência entre extremos prazer/dor. Em vez do senso-comum de que prazer se opõe à dor, o sadismo, o masoquismo e sadomasoquismo concebem que o prazer só seja possível com a dor.

Projeção e introjeção

O outro existe não só nas relações interpessoais, mas existe também dentro da psique de um sujeito. Os ideias que constituem Nina são feitos a partir dos outros de seu convívio. Assim, podemos dizer que há uma complementariedade entre:

  • A projeção da mãe em Nina: a mãe quer que Nina seja ela (a mãe); na verdade, melhor que ela. Nina é uma chance para sua mãe se redimir de suas frustrações por não ter sido ela (a mãe) uma bailarina de destaque. A mãe projeta em Nina esta atualização: tornar presente a impossibilidade frustrada do passado.
  • A introjeção de Nina quanto aos ideais da mãe: pela via do superego, Nina introjeta os ideias de perfeição trazidos pela mãe e em certa medida aceita viver a vida da mãe. A introjeção pode ser explicada no filme como a interiorização do discurso do outro. Mas, como veremos, esta aceitação será dolorosa ao ego, que forçará uma ruptura.

Uma batalha entre superego e id em Cisne Negro

O ego de Nina precisa lidar com as exigências de perfeição do superego. Estas exigências estão representadas pelo “modelo” de sua mãe e pelas imposições do diretor da companhia de ballet, que faz uma espécie de figura paterna, por não haver no filme a representação do pai de Nina.

Por outro lado, há as demandas do id de Nina, um id que busca uma ruptura pela via do prazer. Há este “outro” dentro de Nina: marcado pelo lado inconsciente das pulsões do id que resistem a se entregar às demandas dos outros.

A cisão do ego de Nina

O ego não consegue negociar uma satisfação simultânea às pulsões do id e aos ideias do superego. Acaba sendo muita pressão ao ego de Nina, que começa a cindir, a se dividir. Esta cisão pode ser entendida como uma quebra do ego. Não há mecanismos identitários do ego que possam responder mais precisamente “quem sou eu?”. Assim, possibilidades extremas seriam os quadros de paranoia e alucinação demonstrados por Nina no filme Cisne Negro, condições que marcariam um quadro de psicose.

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    A mãe intrusiva

    A mãe intrusiva é a denominação do psicanalista Donald Winnicott para o que se chama também de “excesso de mãe”. A mãe de Nina representa uma intrusão, uma vontade de que a filha viva a vida da mãe. O ideal de mãe perfeita manifesta-se como uma mãe intrusiva. Para Winnicott, isso é prejudicial ao bebê, por criar uma redoma que não permite que o bebê tenha “desafios” que facilitem as funções de:

    • integração: “ser inteiro, saber as partes corporais e psíquicas que o compõem”;
    • personalização: “saber quem ele é, em oposição ao que os outros são”; e
    • realização: “saber o que é a realidade externa, integrar-se a ela e modificá-la”.

    A mãe de Nina é intrusiva, perfeita, perfeccionista, o que (hoje) muitas vezes se convenciona chamar de mãe narcisista.

    Convém reforçar que o oposto de mãe instrusiva é também prejudicial: a mãe negligente. Para Winnicott, a mãe suficientemente boa seria um meio termo entre a mãe perfeita/intrusiva e a mãe negligente.

    Neurose, psicose e perversão

    Estas são as três estruturas psíquicas, segundo Freud. Apesar de se dizer que cada pessoa possivelmente tenha uma predominância de uma destas estruturas, é possível que um mesmo sujeito seja perpassado por mais de uma estrutura. Assim é com Nina:

    • Neurose: marcada pela obsessão por perfeição de Nina e por sua “busca por um sonho”, que em grande medida é o sonho da mãe, um ideal do superego ou uma exigência social que começa a ser percebido por Nina como uma mecanização de sua existência.
    • Perversão: da forma como podem, as pulsões do id de Nina extravazam-se na forma de relações sado-masoquistas, começam a trincar o ideal de perfeição e mostrar que a dimensão do prazer não pode ser mais recalcada por Nina.
    • Psicose: o ego de Nina é empurrado cada vez mais para a satisfação do superego, com “migalhas” insuficientes ao id; este ego já não consegue atender as demandas psíquicas destes extremos (superego e id), e isso se estende ao próprio ego. Do ego cindido, irrompem a esquizofrenia e a paranoia, costumeiramente reconhecidas como transtornos de psicose.

    Nascer e Morrer como tarefas integrativas

    Ainda para Winnicott, existem tarefas integrativas que marcam o desenvolvimento da psique. A primeira destas tarefas seria o nascer; a última seria o morrer. Então, o morrer é uma parte “saudável” do desenvolvimento do ser. É um ato que marcará o encerramento da vida psíquica, um desfecho que o ser humano (diferentemente de outros animais) sabe que enfretará.

    Pulsão de vida e de morte no filme Cisne Negro

    Antes que você pense como negativa a ideia de pulsão de morte, é preciso entender como Freud via este tema. Em apertada síntese, podemos dizer que:

    • Pulsão de vida: é o impulso por acontecimentos, por novidades, a recusa por monotonia; isso representa um estado de agitação e de encantamento pela vida que nos leva a busca por riscos, novas sensações e novas responsabilidades.
    • Pulsão de morte: é o impulso por “não ser”, o impulso para evitar a dor, por ter um aparelho psíquico sem resistências (no sentido da Física), sem “aquecimentos”.

    Para quem entende do código binário da informática, uma boa metáfora seria que a pulsão de vida é o 1 (um) e a pulsão de morte é o 0 (zero).

    Outra forma de compreender é a partir da famosa frase “Ser ou não ser: eis a questão” (Hamlet, de Shakespeare). Nesta frase, a “questão” colocada pode ser entendida nestes termos: “Pulsão de vida ou pulsão de morte: qual escolher?”.

    Muitas vezes no mesmo dia, convivemos com estas duas pulsões. Por exemplo, quando gostamos de estar com uma pessoa (pulsão de vida), ou quando queremos dormir para esquecer as atribulações do dia (pulsão de morte). O risco grave é quando a pulsão de morte é extrema ao ponto de um “zero” definitivo (como uma depressão grave que leve ao suicídio), ou uma pulsão de vida extrema que leve ao “um” definitivo (como um quadro de mania que tire a pessoa da realidade, uma megalomania por exemplo).

    Realidade ou ilusão nas cenas de Cisne Negro?

    Algumas cenas do filme Cisne Negro (como as cenas de sexo e envolvimento entre Nina e Lilly e as cenas de morte ao final do filme) abrem discussão: será que isso realmente aconteceu? Ou seria só do quadro de paranoia e alucinação da personagem?

    É difícil fechar com uma resposta. Esta técnica de deixar no ar se é realidade ou ilusão é um típico recurso do cinema. E é uma alegoria da própria sétima arte, diga-se: afinal, o cinema é uma ilusão (mentira) mas cheia de materialidade (real, no sentido de ter uma existência e sua produção ser “visível”).

    Requiem para um sonho, outro filme do diretor Darren Aronofsky, também usa da mesma técnica, mas pelo viés das alucinações provocadas pelas drogas. Já em Cisne Negro, esta dúvida é provocada pelo quadro das instâncias psíquicas da mente de Nina (ego, id e superego).

    O que podemos dizer é que um filme não é “transparente”, não é só um meio. Tem também uma linguagem própria. Ou seja, o próprio filme “é” alguma coisa. Por isso, mesmo quando analisamos um filme pelo viés do que é psicanálise, temos de pensar que o filme não é só um meio de transmitir verdades de outros saberes ou ciências. Fazer isso é instrumentalizar o específico do artístico e de uma obra.

    Afinal, há também (e principalmente) uma dimensão da linguagem fílmica, em seus aspectos narrativos, ficcionais e sinestésicos (imagem e som).

    Nina é mais do que “uma bailarina” em Cisne Negro

    A opção em Cisne Negro de “deixar no ar” a dúvida se uma cena ocorreu é uma forma de o filme nos colocar no lugar da personagem Nina: num quadro de paranoia, alucinação e até mesmo no extremo de uma neurose obsessiva pode ser igualmente difícil saber negociar com a realidade.

    Também, é uma forma de o filme nos destronar de um lugar de suposto-saber, frustrando o desejo narcísico do espectador de tudo saber. Pelo contrário, o filme nos convida a nos colocar no lugar de Nina, que é também uma forma de nos colocar no lugar do ambíguo e da impossibilidade de reduzir o humano apenas a uma definição.

    Da mesma forma, Nina não pôde ser reduzida apenas a “uma bailarina”: sua dimensão humana não admitiu ser encerrada à perfeição exclusiva de um ofício. Antes, o filme nos mostra que um ser humano não pode ser reduzido a “uma perfeição”, por ser uma sobreposição de múltiplas imperfeições.

    Este artigo sobre o filme Cisne Negro foi escrito por Paulo Vieira, gestor de conteúdos do Curso de Formação em Psicanálise Clínica. Na área de membros, nossos alunos têm acesso a análises de filmes pela nossa série “Cinema & Psicanálise”. Dentre os vídeos, é possível ver a gravação da live com professor e psicanalista Carlos Lima em que o filme Cisne Negro foi analisado.

     

    2 thoughts on “Filme Cisne Negro (2010): análise psicológica do filme

    1. CÉSAR SAMBLAS BOSCOLO disse:

      Eu assisti a esse filme, ele é muito bom. E nos leva a pensar sobre a análise da protagonista.
      Muito bom o artigo.

    2. Mizael Carvalho disse:

      Muito bom artigo! Foi um aprendizado maravilhoso. Ampliou mais a ideia de projeção. Com a cena que a mãe quer que a filha tenha sucesso, para que ela se sinta realizada.

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